Por Prof. Ney Moura Teles
No
art. 70 do Código Penal, encontra-se a definição do concurso formal de crimes,
assim: “Quando o agente, mediante uma só
ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a
mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada,
em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto,
cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes
resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.”
O
concurso formal, também chamado concurso ideal, vai acontecer quando o agente,
com apenas uma conduta, uma ação em sentido estrito, ou uma omissão, consegue
realizar dois ou mais crimes. Em outras palavras, aqui há apenas um
comportamento, um fazer ou um não fazer, uma só atitude, mas serão dois ou mais
os fatos tipificados no Código Penal, como, por exemplo, dois ou três
homicídios provocados por um único agir, um só atuar do sujeito ativo do crime.
Como na seguinte situação: João provoca a explosão de uma bomba dentro de uma
sala de aula, causando a morte de 25 estudantes.
Há
um único comportamento humano, uma só conduta, que dá causa, todavia, a 25
resultados morte de alguém. São 25
homicídios causados por uma única ação,
stricto sensu.
O mesmo
acontece num atropelamento de pessoas por um veículo que invade o ponto do
ônibus. Uma só conduta que causa várias lesões corporais culposas em diversas
pessoas.
Haverá
concurso formal quando se estiver diante de uma só conduta, um só comportamento, e de vários crimes. Os requisitos para a existência do concurso formal
são: unidade de conduta e pluralidade de crimes.
O concurso formal pode ser: homogêneo e heterogêneo,
perfeito e imperfeito.
Diz-se homogêneo o concurso formal quando os
crimes praticados são definidos na mesma norma legal, contra vários sujeitos
passivos, como no exemplo da explosão e morte de várias pessoas. Vários
homicídios dolosos contra pessoas diferentes. Ou três homicídios culposos cometidos
mediante uma só ação.
Se os
crimes praticados estiverem definidos em tipos distintos, há concurso formal heterogêneo. Exemplo: a mesma explosão
dá causa à morte de uma pessoa e produz lesões corporais em outra. Serão dois
crimes definidos em normas diferentes, cometidos por uma única conduta.
A definição da primeira parte do art. 70 corresponde ao chamado concurso
formal perfeito: quando,
mediante uma só conduta, o agente pratica dois ou mais crimes, idênticos ou
não. Nesse caso, será aplicada apenas uma das penas, a mais grave, se o
concurso for heterogêneo, ou uma delas, se homogêneo, aumentada, todavia, em
ambos os casos, de um sexto até metade.
Exemplos:
(a) Eduardo atropela e mata, culposamente, Valdir e Flávio.
Trata-se de um concurso formal perfeito homogêneo de dois homicídios culposos.
Aplicar-se-á a pena de um deles, aumentada de um sexto até metade. O juiz
deverá individualizar cada uma das penas, e supondo que tenha chegado, após
considerar atenuantes, agravantes e causas de diminuição e aumento, se houver,
à pena de um ano de detenção, deverá em seguida, também motivadamente,
aumentá-la, por exemplo, no grau mínimo, de 1/6, do que resultará uma pena de
um ano e dois meses de detenção;
(b) Jaime atropela um casal, matando o homem e produzindo lesões
corporais na mulher, culposamente. Aplicar-se-á a pena do homicídio culposo,
aumentada de 1/6 até 1/2. A pena pode ser, inclusive, igual à do exemplo
anterior, apesar de haver apenas um homicídio.
Para se identificar
o crime mais grave, deverá o juiz realizar juízos de culpabilidade em relação a
cada um deles.
A pena aplicada pela regra do art. 70 – do concurso formal – não
pode exceder a pena que seria cabível pela regra do art. 69 – do concurso
material. No exemplo anterior do homicídio e lesão corporal culposos, se o juiz
tivesse aplicado a pena máxima, de três anos de detenção, pelo homicídio
culposo, e resolvesse aumentá-la de metade, a pena definitiva seria de quatro
anos e seis meses. Ora, se se aplicasse a regra do art. 69, cumulando as penas
do homicídio culposo e da lesão corporal culposa, ainda que aplicasse, para
cada um, o grau máximo, a pena somada, cumulada, seria de quatro anos. Nesse
caso, mesmo havendo concurso formal de crimes, aplica-se a regra do concurso
material, somando-se as penas dos dois crimes.
É o que
pode ocorrer também quando há concurso formal perfeito entre um homicídio
qualificado e uma lesão corporal simples. Se se aplicar pena mínima para o
homicídio, 12 anos de reclusão, e aumentá-la do mínimo, 1/6, ter-se-á uma pena
de 14 anos de reclusão, ao passo que, se forem acumuladas as penas para os dois
crimes, a pena seria de apenas 13 anos de reclusão.
A
doutrina denomina essa situação de concurso
material benéfico, o que é incorreto, pois não há, verdadeiramente,
concurso material, mas formal, apenas não se aplicando a regra de aplicação da
pena desse, mas a daquele. É que a regra de aplicação da pena no concurso
formal perfeito visa beneficiar o acusado, em face de que, apesar de ter
cometido mais de um crime, realizou, na realidade, apenas uma conduta, com um
único fim, merecendo, em razão disso, reprimenda bem menos severa do que se
tivesse realizado dois comportamentos distintos, aperfeiçoadores de dois crimes
diversos.
A parte
final do art. 70 define o concurso formal imperfeito: quando, mediante uma só conduta dolosa, o
agente pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, resultantes de desígnios
autônomos. Nesse caso, as penas serão aplicadas cumulativamente, como se
faz no concurso material.
As
diferenças entre o concurso formal perfeito e o concurso formal imperfeito são
duas: (a) só há concurso imperfeito se a conduta tiver sido dolosa, ao passo
que o concurso perfeito pode resultar de conduta dolosa ou de comportamento culposo; (b) só há concurso formal imperfeito
quando os crimes praticados, mediante única conduta dolosa, resultarem
de desígnios autônomos. A primeira
diferença dispensa comentários. A segunda impõe a compreensão do significado da
expressão desígnios autônomos.
Desígnio
é desejo, é pretensão, vontade, fim, objetivo. Dois crimes derivados de uma só
conduta que resultam de desígnios autônomos são crimes que estiveram,
previamente, ideados ou idealizados pelo agente, vale dizer, crimes desejados,
pretendidos, objetivados pelo agente que, para alcançá-los, realizou uma só e
única conduta.
Há
autonomia de desígnios se o agente, ao acionar o mecanismo de disparo da bomba
instalada no escritório, tinha a vontade de, com a explosão, matar os dois
sócios da empresa que estavam presentes naquela sala. Era intenção do agente
alcançar a morte de ambos. Terá havido uma única conduta que deu causa a duas
mortes, dois homicídios, os quais, todavia, resultaram de desígnios autônomos, de desejos autônomos.
Diferente
é a conduta do que instala e faz disparar o artefato no mesmo lugar, sem saber
se, além da vítima que desejava matar, estaria também ali outra pessoa. Neste
último caso, serão dois crimes resultantes de um só desígnio, um concurso
formal perfeito.
Haverá
desígnios autônomos quando o agente realizar uma só conduta dirigida, todavia,
a dois fins distintos. Com sua ação, quer alcançar a morte de João e a morte de
Pedro. Ou pretende, com seu comportamento, matar um e ferir o outro. Mantida a
unidade de ação ou de omissão, nela, desde sua fase interna, psíquica,
ressaltam contudo dois fins precisamente diferenciados.
Por
essa razão, mesmo sendo una a conduta, as penas serão aplicadas
cumulativamente, como se os dois resultados tivessem derivado de dois
comportamentos diferentes, como ocorre no concurso material. Quer a lei, assim,
reprovar de modo mais severo aquele que, mesmo com uma única conduta,
realizou-a, todavia, com a vontade de alcançar os dois resultados.
Equipara-se
à situação daquele que, para alcançar dois resultados diferentes, realizou dois
comportamentos diversos, a daquele que, para alcançar os mesmos dois resultados,
realizou apenas uma conduta. Na verdade, são ambos, igualmente, reprováveis,
pois o que mais importa no crime é o desvalor da ação, e não o do resultado,
que não é, como já dizia WELZEL, o elemento diversificador dos crimes.
O Direito Revisto - Mar/13
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