Por Moraes Advocacia
Com a entrega do inquérito policial, que apurou o fato ocorrido na
Boate Kiss, em Santa Maria – RS e os indiciamentos feitos pela
autoridade policial, surge a expectativa em torno da manifestação do
Ministério Público, que terá o prazo 5 dias para o oferecimento da
denúncia.
A autoridade policial indiciou algumas pessoas por homicídio doloso, praticado com dolo eventual.
Outras pessoas foram indiciadas por homicídio culposo.
Qual a importância da teoria do nexo causal?
A teoria do nexo causal serve para estabelecer o limite da responsabilidade do agente pelo fato delituoso.
Não fosse a delimitação dessa responsabilidade, poderíamos dizer que
quem fabrica uma arma de fogo deveria ser responsabilizado, toda vez que
um homicídio fosse praticado com o emprego de um revólver.
Levada às últimas consequências a teoria do nexo causal, poder-se-ia
dizer que há nexo causal entre aquele que fabrica arma de fogo e a morte
da vítima, pois não tivesse a arma sido fabricada, o homicídio não
teria ocorrido.
Não seria razoável responsabilizar-se o fabricante da arma pelo homicídio praticado por alguém com emprego de um revólver.
Para estabelecermos a teoria do nexo causal, faz-se mentalmente a
eliminação da causa para ver se o efeito desaparece. Se tal ocorrer,
então existe o nexo causal.
No caso da Boate Kiss, a causa da morte das vítimas foi o incêndio e a inalação de substância tóxica.
Não houvesse o incêndio, o resultado morte não teria ocorrido. Logo, existe nexo causal entre o incêndio e a morte das vítimas.
Neste ponto vale citar a lição da doutrina:
“A relação de causalidade entre a conduta humana e o resultado é uma
relação valorada, que deve ser aferida conjuntamente com o vínculo
subjetivo do agente.
Causalidade relevante para o direito penal é aquela que pode ser
prevista, isto é, aquela que é previsível, que pode ser mentalmente
antecipada pelo agente.
Em outros termos, a cadeia causal, aparentemente infinita sob a ótica
puramente naturalística, será sempre limitada pelo dolo ou pela culpa.
Dolo e culpa na ação: limitadores da teoria da equivalência.
Pode ser que alguém de causa a um resultado, mas sem agir com dolo ou
com culpa. E fora do dolo ou da culpa entramos na órbita do acidental,
portanto, fora dos limites do direito penal. Com efeito, uma pessoa pode
ter dado causa a determinado resultado, e não ser possível
imputar-se-lhe a responsabilidade por esse fato, por não ter agido nem
dolosa nem culposamente, isto é, não ter agido tipicamente. Essa
atividade permanece fora da esfera do direito penal, sendo impossível
imputá-la a alguém pela falta de dolo ou de culpa, constituindo a
primeira limitação à teoria da conditio sine qua non”(Código Penal Comentado, 3ª Ed. pág. 39\40, Cezar Roberto Bitencourt).
No caso da Boate Kiss, a autoridade policial indiciou algumas pessoas
por terem agido com dolo eventual e outras por terem agido com culpa.
Cumpre, então, distinguirmos o que é dolo e o que é culpa.
Nos dizeres do art.18, incisos I e II, do Código Penal, diz-se o
crime doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de
produzi-lo.
Interessa-nos aqui, a segunda parte do art.18, inciso I, do Código Penal, ou seja, o dolo eventual.
O inciso II, do mesmo artigo, diz que o crime é culposo, quando o
agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Sobre o dolo eventual diz a doutrina:
“Há dolo eventual quando o agente não quer diretamente a realização
do tipo, mas a aceita como possível ou até provável, assumindo o risco
da produção do resultado. No dolo eventual o agente prevê o resultado
como provável ou, ao menos, como possível, mas, apesar de prevê-lo, age
aceitando o risco de produzi-lo. Assumir o risco é alguma coisa mais que
ter consciência de correr o risco: é consentir previamente no
resultado, caso este venha efetivamente a ocorrer.
Elementos do dolo eventual: consciência e vontade
A consciência e a vontade, que representam a essência do dolo, também
devem estar presentes no dolo eventual. Para que este se configure é
insuficiente a mera ciência da probabilidade do resultado ou a atuação
consciente da possibilidade concreta da produção desse resultado. É
indispensável determinada relação de vontade entre o resultado e o
agente, e é exatamente esse elemento volitivo que distingue o dolo da
culpa” (Obra citada página 59).
Logo a seguir, o autor citado oferece clara explicação entre o dolo direto e o dolo eventual, assim se manifestando:
“Procura-se distinguir o dolo direto do eventual, afirmando-se que o
primeiro é a vontade por causa do resultado; o segundo é a vontade
apesar do resultado, embora o nosso código os tenha equiparado quanto
aos efeitos.
O caso da Boate Kiss causou tamanha comoção, que a autoridade
policial procurou uma forma de enquadrar algumas pessoas pela prática de
homicídio doloso.
Por mais que o fato tenha causado consternação em nível nacional e
até mesmo fora das fronteiras do Brasil, não é possível ignorar a
doutrina a respeito do dolo e da culpa, apenas para satisfazer uma
sociedade sedenta por justiça.
O Estado não pode agir emocionalmente.
No entanto, o trabalho da polícia desenvolveu-se levando em conta o
clima de comoção que se estabeleceu na cidade de Santa Maria.
Racionalmente falando, e repita-se, o Estado não pode ser emocional,
parece-nos inviável enquadrar-se a conduta de alguns indiciados por
homicídio doloso.
Duzentas e quarenta e uma pessoas morreram e mais de seiscentas pessoas restaram lesionadas.
A sociedade brasileira quer uma severa punição por tanto sofrimento.
É preciso, porém, que o caso da Boate Kiss seja tratado à luz do direito penal, sem extravagâncias e nem exageros.
Vale aqui mencionar, mais uma vez, a lição de Cezar Roberto Bittencourt na obra já mencionada:
“Os limites fronteiriços entre o dolo eventual e a culpa consciente
constituem um dos problemas mais tormentosos da teoria do delito. Há
entre ambos um traço comum: a previsão do resultado proibido. Mas,
enquanto no dolo eventual o agente anuí ao advento desse resultado,
assumindo o risco de produzi-lo, em vez de renunciar á ação, na culpa
consciente, ao contrário, repele a hipótese de superveniência do
resultado, na esperança convicta de que este não ocorrerá.
Distinção entre dolo eventual e culpa consciente:
Na hipótese de dolo eventual, a importância negativa da previsão do
resultado é, para o agente, menos importante do que o valor positivo que
atribuí à prática da ação. Por isso, entre desistir da ação ou
praticá-la, mesmo correndo o risco da produção do resultado, opta pela
segunda alternativa. Já na culpa consciente, o valor negativo do
resultado possível é, para o agente, mais forte do que o valor positivo
que atribuí à prática da ação. Por isso, se estivesse convencido de que o
resultado poderia ocorrer, sem dúvida, desistiria da ação. Não estando
convencido dessa possibilidade, calcula mal e age. No dolo eventual, o
agente decide agir por egoísmo, a qualquer custo, enquanto na culpa
consciente o faz por leviandade, por não ter refletido suficientemente”
(pg.65).
Para melhor compreender a distinção acima referida, existem duas teorias:
Teoria da Probabilidade e da Vontade ou do Consentimento.
Para finalizar, em um Estado Democrático de Direito as leis devem ser
cumpridas, independentemente da vontade de quem quer que seja, assim,
espera-se que o caso da Boate Kiss não se transforme em uma vingança do
Estado contra aqueles que tiveram maior ou menor responsabilidade pelo
trágico evento.
O Direito Revisto - Mar/13
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