sexta-feira, 22 de março de 2013

Nexo Causal – Boate Kiss

Por Moraes Advocacia

Com a entrega do inquérito policial, que apurou o fato ocorrido na Boate Kiss, em Santa Maria – RS e os indiciamentos feitos pela autoridade policial, surge a expectativa em torno da manifestação do Ministério Público, que terá o prazo 5 dias para o oferecimento da denúncia.

A autoridade policial indiciou algumas pessoas por homicídio doloso, praticado com dolo eventual.
Outras pessoas foram indiciadas por homicídio culposo.
 
Qual a importância da teoria do nexo causal?
A teoria do nexo causal serve para estabelecer o limite da responsabilidade do agente pelo fato delituoso.

Não fosse a delimitação dessa responsabilidade, poderíamos dizer que quem fabrica uma arma de fogo deveria ser responsabilizado, toda vez que um homicídio fosse praticado com o emprego de um revólver.

Levada às últimas consequências a teoria do nexo causal, poder-se-ia dizer que há nexo causal entre aquele que fabrica arma de fogo e a morte da vítima, pois não tivesse a arma sido fabricada, o homicídio não teria ocorrido.

Não seria razoável responsabilizar-se o fabricante da arma pelo homicídio praticado por alguém com emprego de um revólver.

Para estabelecermos a teoria do nexo causal, faz-se mentalmente a eliminação da causa para ver se o efeito desaparece. Se tal ocorrer, então existe o nexo causal.

No caso da Boate Kiss, a causa da morte das vítimas foi o incêndio e a inalação de substância tóxica.

Não houvesse o incêndio, o resultado morte não teria ocorrido. Logo, existe nexo causal entre o incêndio e a morte das vítimas.

Neste ponto vale citar a lição da doutrina:
“A relação de causalidade entre a conduta humana e o resultado é uma relação valorada, que deve ser aferida conjuntamente com o vínculo subjetivo do agente.

Causalidade relevante para o direito penal é aquela que pode ser prevista, isto é, aquela que é previsível, que pode ser mentalmente antecipada pelo agente.

Em outros termos, a cadeia causal, aparentemente infinita sob a ótica puramente naturalística, será sempre limitada pelo dolo ou pela culpa.

Dolo e culpa na ação: limitadores da teoria da equivalência.
Pode ser que alguém de causa a um resultado, mas sem agir com dolo ou com culpa. E fora do dolo ou da culpa entramos na órbita do acidental, portanto, fora dos limites do direito penal. Com efeito, uma pessoa pode ter dado causa a determinado resultado, e não ser possível imputar-se-lhe a responsabilidade por esse fato, por não ter agido nem dolosa nem culposamente,  isto é, não ter agido tipicamente. Essa atividade permanece fora da esfera do direito penal, sendo impossível imputá-la a alguém pela falta de dolo ou de culpa, constituindo a primeira limitação à teoria da conditio sine qua non”(Código Penal Comentado, 3ª Ed. pág. 39\40, Cezar Roberto Bitencourt).

No caso da Boate Kiss, a autoridade policial indiciou algumas pessoas por terem agido com dolo eventual e outras por terem agido com culpa.

Cumpre, então, distinguirmos o que é dolo e o que é culpa.
Nos dizeres do art.18, incisos I e II, do Código Penal, diz-se o crime doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.

Interessa-nos aqui, a segunda parte do art.18, inciso I, do Código Penal, ou seja, o dolo eventual.

O inciso II, do mesmo artigo, diz que o crime é culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Sobre o dolo eventual diz a doutrina:
“Há dolo eventual quando o agente não quer diretamente a realização do tipo, mas a aceita como possível ou até provável, assumindo o risco da produção do resultado. No dolo eventual o agente prevê o resultado como provável ou, ao menos, como possível, mas, apesar de prevê-lo, age aceitando o risco de produzi-lo. Assumir o risco é alguma coisa mais que ter consciência de correr o risco: é consentir previamente no resultado, caso este venha efetivamente a ocorrer.

Elementos do dolo eventual: consciência e vontade
A consciência e a vontade, que representam a essência do dolo, também devem estar presentes no dolo eventual. Para que este se configure é insuficiente a mera ciência da probabilidade do resultado ou a atuação consciente da possibilidade concreta da produção desse resultado. É indispensável determinada relação de vontade entre o resultado e o agente, e é exatamente esse elemento volitivo que distingue o dolo da culpa” (Obra citada página 59).

Logo a seguir, o autor citado oferece clara explicação entre o dolo direto e o dolo eventual, assim se manifestando:
“Procura-se distinguir o dolo direto do eventual, afirmando-se que o primeiro é a vontade por causa do resultado; o segundo é a vontade apesar do resultado, embora o nosso código os tenha equiparado quanto aos efeitos.

O caso da Boate Kiss causou tamanha comoção, que a autoridade policial procurou uma forma de enquadrar algumas pessoas pela prática de homicídio doloso.

Por mais que o fato tenha causado consternação em nível nacional e até mesmo fora das fronteiras do Brasil, não é possível ignorar a doutrina a respeito do dolo e da culpa, apenas para satisfazer uma sociedade sedenta por justiça.

O Estado não pode agir emocionalmente.

No entanto, o trabalho da polícia desenvolveu-se levando em conta o clima de comoção que se estabeleceu na cidade de Santa Maria.

Racionalmente falando, e repita-se, o Estado não pode ser emocional, parece-nos inviável enquadrar-se a conduta de alguns indiciados por homicídio doloso.

Duzentas e quarenta e uma pessoas morreram e mais de seiscentas pessoas restaram lesionadas.

A sociedade brasileira quer uma severa punição por tanto sofrimento.

É preciso, porém, que o caso da Boate Kiss seja tratado à luz do direito penal, sem extravagâncias e nem exageros.

Vale aqui mencionar, mais uma vez, a lição de Cezar Roberto Bittencourt na obra já mencionada:
“Os limites fronteiriços entre o dolo eventual e a culpa consciente constituem um dos problemas mais tormentosos da teoria do delito. Há entre ambos um traço comum: a previsão do resultado proibido. Mas, enquanto no dolo eventual o agente anuí ao advento desse resultado, assumindo o risco de produzi-lo, em vez de renunciar á ação, na culpa consciente, ao contrário, repele a hipótese de superveniência do resultado, na esperança convicta de que este não ocorrerá.

Distinção entre dolo eventual e culpa consciente:
Na hipótese de dolo eventual, a importância negativa da previsão do resultado é, para o agente, menos importante do que o valor positivo que atribuí à prática da ação. Por isso, entre desistir da ação ou praticá-la, mesmo correndo o risco da produção do resultado, opta pela segunda alternativa. Já na culpa consciente, o valor negativo do resultado possível é, para o agente, mais forte do que o valor positivo que atribuí à prática da ação. Por isso, se estivesse convencido de que o resultado poderia ocorrer, sem dúvida, desistiria da ação. Não estando convencido dessa possibilidade, calcula mal e age. No dolo eventual, o agente decide agir por egoísmo, a qualquer custo, enquanto na culpa consciente o faz por leviandade, por não ter refletido suficientemente” (pg.65).

Para melhor compreender a distinção acima referida, existem duas teorias:
Teoria da Probabilidade e da Vontade ou do Consentimento.

Para finalizar, em um Estado Democrático de Direito as leis devem ser cumpridas, independentemente da vontade de quem quer que seja, assim, espera-se que o caso da Boate Kiss não se transforme em uma vingança do Estado contra aqueles que tiveram maior ou menor responsabilidade pelo trágico evento.

O Direito Revisto - Mar/13

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