segunda-feira, 1 de abril de 2013

Equivocada tipificação de homicídio tentado cumulado com dano qualificado pela violência

Por Prof. Cezar Roberto Bitencour

...Tentativa de homicídio duplo, cumulado com o crime de dano qualificado pela violência empregada) pode ser reflexo daquilo que Lenio Streck diria, "formação fast-food" em cursinhos preparatórios complementadores de uma má faculdade, objetivando aprovação em concursos públicos. Em outros termos, resulta da ausência de uma preparação intelectual incompleta, sem profundidade, sem conhecimentos básicos das doutrinas jurídicas, onde a história dos institutos jurídicos, os conhecimentos epistemológicos, os princípios básicos de direito etc. não fazem parte do universo cultural de determinados profissionais do direito. Enfim, essas podem ser algumas das razões da formação técnico-jurídica deficiente de muita gente. Aproveitamos sua consulta para fazer uma pequena reflexão sobre esse tema.

Deve-se de observar, de plano, que a "violência" - excluída a previsão constante do inciso I do parágrafo único do art. 163 - não é elementar do crime de dano qualificado. Tanto isso é verdade, que a "violência", se existir e constituir crime em si mesma, será punida separadamente, havendo, como afirmo, concurso de penas, e não de crimes, ao contrário do que a velha doutrina afirmava! (ver nosso Tratado, vol. 3).
 
Por outro lado, a violência criminalizada nesse inciso I, é elementar constitutiva do crime de homicídio em suas formas consumadas e tentadas, sendo, consequentemente, absorvidas por este, ou qualquer outro crime grave contra a vida ou contra a integridade física.
 
Examinando a violência à pessoa, no crime de dano, em nosso Tratado de Direito Penal, vol. 3, p. 209 (8a ed., de 2012), afirmamos o seguinte: "Tanto a violência quanto a grave ameaça devem visar a prática do dano, isto é, devem ser o meio utilizado para a produção do prejuízo. Por isso, não se pode reconhecer a qualificadora quando evidente que a violência praticada não teve a finalidade de possibilitar a prática do crime de dano, nem foi exercida pelo agente como meio para assegurar sua execução. Se, por exemplo, o agente, após praticado o dano, sendo surpreendido pela vítima, agride-a, produzindo-lhe lesões corporais, não se tratará de dano qualificado pela violência ou grave ameaça. Nessa hipótese, responde pelo crime de dano simples em concurso material com o crime de lesões corporais".
 
Capitulação como essa questionada por Augustinho Autiéles Gomes Borges, esquece que "é necessário que o dano seja um fim em si mesmo", para constituir esse crime!
 
Examinando o elemento subjetivo do crime de dano, no mesmo volume de nosso Tratado, afirmamos o seguinte: "O elemento subjetivo do crime de dano é o dolo, representado pela vontade livre e consciente de cau
sar prejuízo a terceiro, não havendo fim especial de agir, em que pense o entendimento de Hungria. Em nossa concepção, é desnecessário o 'concomitante propósito de prejudicar o proprietário' ou possuidor do bem ou interesse danificado.
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No entanto, o especial fim de agir, quando for o móvel orientador da conduta do agente, poderá desnaturar o crime de dano, dando-lhe outra fisionomia, especialmente porque não se pode olvidar que o dano pode ser, e frequentemente é, meio de execução ou elementar de outro crime. Na verdade, desde que o dano deixe de ser um fim em si mesmo, passando a ser meio ou modo para executar ou rea
lizar outro crime, desconfigura-se como crime autônomo, passando a integrar uma figura complexa ou progressiva de outra infração penal. Passando-se uma vista d’olhos em nosso Código Penal, encontrar-se-ão inúmeros exemplos do que acabamos de afirmar: furto com destruição ou rompimento de obstáculo (art. 155, § 4º, I); destruição de tapumes (art. 161); sabotagem (art. 202, in fine); violação de sepultura com violência à coisa (art. 210); destruição de prova documental (art. 305) etc.

Por outro lado, o dano pode constituir elementar de outros tipos penais, especialmente aqueles que integram o rol das infrações penais contra a incolumidade pública (que acarretam perigo comum), tais como incêndio, inundação, explosão, desmoronamento.
 
Por fim, quando o dano for causado para evitar ou impedir a prova de autoria de outro crime patrimonial (v. g., furto, roubo, apropriação indébita etc.), praticado pelo mesmo agente, será absorvido por aquele. O dano, convém destacar, é sempre absorvido, nunca absorvente".
 
Essa capitulação questionada por Augustinho é absolutamente equivocada, e ignora princípios comezinhos da dogmática penal direito penal, ignorando que a violência à pessoa é ínsita aos crimes contra a vida, particularmente do homicídio. Logo, a violência, por mais grave que seja faz parte da essência do Direito Penal, é elemento integrante do crime de homicídio, tentado ou co
nsumado. Ademais, a violência exacerbada é destacada pelo legislador, como sua qualificadora, no inciso III do § 2º do art. 121 do CP, e, fora dessas hipóteses, não cabe ao intérprete buscar outra forma de punição, sem ferir os princípios básicos de um direito penal dogmático, da culpabilidade, de um Estado Democrático de Direito.

Sintetizando, esse erro crasso de interp
retação resolve-se através do conflito aparente de normas, pelo princípio da absorção! (nosso Tratado de Direito Penal, vol, 1, 19a edição, Saraiva, 2013, capítulo XI.

Nossas escusas aqueles que pensam diferente!

O Direito Revisto - Mar/13
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