domingo, 7 de julho de 2013

Redução da idade penal: impossibilidade



Por Frederico Afonso Izidoro 

Dois homicídios com requintes de crueldade (corpos queimados de dois dentistas) ocorridos recentemente no estado de São Paulo (São Bernardo do Campo e São José dos Campos respectivamente) foram o estopim para retomar a questão da viabilidade ou não da redução da idade penal no País.

O primeiro praticado no ABC por um menor de idade (17 anos) contra a dentista Cinthya Magaly Moutinho de Souza, reacendeu a discussão na sociedade sobre a redução da idade penal no Brasil, atualmente de 18 anos, nos termos do artigo 228 de nossa Constituição. Vejamos: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

Antes de avançarmos, faço duas indagações: 1ª: É possível alterar tal dispositivo em nossa Constituição? 2ª: Qual o objetivo de tal redução?

Respondendo à primeira pergunta, entendo que o artigo 228 é uma cláusula pétrea, conforme artigo 60, § 4º, inciso IV c/c artigo 5º, § 2º, tudo da Constituição: “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais.” e “Art. 5º, § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

Portanto, teoricamente só seria possível alterar este direito individual através de uma nova constituição. Digo teoricamente, pois no âmbito dos direitos humanos, um direito humano alcançado não retroage (a irretroatividade é uma das características clássicas do Direito Internacional dos Direitos Humanos), e lembrando o magistério de J. J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição – Ed. Almedina), ao falar de poder constituinte, afirma que “...obedece a padrões e modelos de conduta espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na consciência jurídica geral da comunidade...”, ou seja, o poder constituinte originário não seria totalmente autônomo, tendo uma limitação imposta pelo direito natural. O mesmo Canotilho afirma que deve ser levado em conta o princípio da observância de direitos humanos, mas lembra também que a vontade do povo deve ser destacada, já que uma das bases dos direitos humanos é a democracia. Em suma, temos uma dificuldade imensa em alterar tal dispositivo, se é que isto seja possível.

Respondendo à segunda pergunta, acredito que a sensação de impunidade dada aos menores infratores causa repulsa à boa parte da sociedade, que no mínimo questiona: “se tem idade para votar, tem idade para ser responsabilizado penalmente”. Nesta linha de raciocínio, se tem idade para ser responsabilizado, pode ser preso, então concluo que parte da sociedade pouco se importa com o significado real da idade penal, mas apenas quer o encarceramento dos então menores infratores como se adultos fossem!

Proteção às crianças no âmbito internacional humanista não falta: Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança (1924); Declaração sobre os Direitos da Criança (1959); Declaração sobre a Proteção da Mulher e da Criança em Situações de emergência e de Conflito Armado (1974); Declaração sobre os Princípios Sociais e Jurídicos Relativos à Proteção e ao Bem-Estar da Criança (1986); Regras Mínimas para a Administração da Justiça Juvenil das Nações Unidas (“As Regras de Pequim” - 1989); e por fim, a Convenção dos Direitos da Criança (1989).

Sobre esta última, adotada pelas Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990 (uma das maiores influências à formação da Lei nº 8.069/90 que institui o nosso Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA) afirma no artigo 1º que “entende-se por criança todo ser humano menor de 18 anos de idade”. Nas questões preambulares a Convenção afirma que “a criança, para o desenvolvimento pleno e harmonioso de sua personalidade, deve crescer em um ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão”, e ainda, “a criança, em razão de sua falta de maturidade física e mental, necessita proteção e cuidados especiais, incluindo proteção jurídica apropriada antes e depois do nascimento”. Desta forma, a criança tem direito a uma proteção especial integral ao seu desenvolvimento pleno (físico, mental, espiritual e social).

Atualmente o Brasil tem a 4ª maior população carcerária do mundo, com cerca de 550 mil pessoas presas, sem contar as milhares que deveriam estar presas, outras milhares que deveriam estar soltas e mais um déficit de vagas também na casa dos milhar.

Na linha da resposta da segunda pergunta, onde a sociedade quer o encarceramento do menor de 18 anos infrator, trago os ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt (Falência da Pena de Prisão e causas e alternativas – Ed. Saraiva) nas seguintes menções: “A história da prisão não é a de sua progressiva abolição, mas a de sua reforma”; “constatou-se sua mais absoluta falência em termos de prevenção”; “Com projetos funcionalistas, a prisão da década de noventa será uma prisão mais cômoda em termos de conforto – seguramente  a mais desumana que se possa imaginar”; “Sabe-se, hoje, que a prisão reforça os valores negativos do condenado”; “Como se percebe, há um grande questionamento em torno da pena privativa de liberdade, e se tem dito reiteradamente que o problema da prisão é a própria prisão. Aqui, como em outros países, avilta, desmoraliza, denigre e embrutece o apenado”.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 22 de novembro de 1969, ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, nossa norma mais importante de direitos humanos no âmbito do sistema regional americano determina no artigo 5º, nº 6 que “As penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados”. Nós cumprimos isso no Brasil? Não cumprimos com os adultos e também não vamos cumprir com os menores! Nossas prisões são depósitos de lixo humano. Agora, se o preso deixou de ser ser humano, esqueceram de me avisar...

Sou totalmente contra a redução da idade penal, porque não resolve nada reduzi-la. Se o garoto de 17 anos é hoje o “vapor” do tráfico, amanhã será o de 16, 15...10. O limite será a maternidade: “prenda aquele bebê que pegou a chupeta do outro...”. No Brasil, prender por prender só agrava, nada resolve.

Cabe ressaltar que sou totalmente a favor da transferência do maior de 18 anos da Fundação Casa para a prisão dos adultos. Em menos de 30 dias (entre os meses de abril e maio deste ano), acompanhei in loco três rebeliões na Fundação de Jundiaí/SP provocada nas três vezes por maiores de 18 anos. Já são maiores, respondem como tal, então, cumpra sua medida sócio educativa no Centro de Detenção Provisória, por exemplo.

O artigo 6º da Convenção dos Direitos da Criança afirma que “1. Os Estados-partes reconhecem que toda criança tem o direito inerente à vida. 2. Os Estados-partes assegurarão ao máximo a sobrevivência e o desenvolvimento da criança”. Nosso Ministro da Justiça, do qual tive a oportunidade de ser aluno, José Eduardo Martins Cardozo, em entrevista de novembro de 2012 afirmou que “Se fosse para cumprir muitos anos na prisão, em alguns dos nossos presídios, eu preferiria morrer”. Agora eu te pergunto: é isto que você deseja para os menores infratores da lei?

O Direito Revisto – Jul/13
Publicado originalmente em: Carta Forense

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