Por Professor Vander Ferreira de Andrade
A
questão das reservas de
vagas em concursos públicos destinadas a índios e
afrodescendentes, longe de se apresentar como uma pretensão de caráter
consensual, guarda imensas dúvidas e discussões quanto a sua legitimidade,
pertinência, legalidade e constitucionalidade.
De
fato, a vigente ordem constitucional inaugurou um profundo debate na sociedade
ao criar a reserva de vagas para portadores de necessidades especiais
em 1988, resguardando a verificação casuística da natureza e da especificidade
dos cargos públicos, culminando por consolidar um amplo panorama de consenso
social, de modo que atualmente, pouco se discute a respeito desse benefício relativo aos deficientes,
conquanto ainda existam problemas circunstanciais decorrentes sobretudo quanto
ao conceito e alcance das denominadas “necessidades especiais” ou “deficiências
físicas”, cuja análise deixaremos para uma próxima oportunidade.
Com
efeito, verificam-se atualmente ao longo das diversos ordenamentos jurídicos,
sejam eles estaduais ou municipais, ou mesmo no nível federal, previsões de
caráter legal estabelecendo percentuais diversos de reserva de vagas para pessoas de
descendência ou origem indígena e africana; a título de
exemplo, o Instituto Rio Branco, responsável pela formação de Diplomatas no
Brasil, prevê 30 vagas
na segunda fase do certame especialmente destinada para negros.
Os incipientes questionamentos que vieram a desaguar na
justiça, receberam do Poder Judiciário a manifestação de consonância com a
ordem constitucional do direito de afrodescendentes e índios de ter previstas
tais reservas de vagas em concursos públicos; assim é que em ação específica
que buscava a declaração de inconstitucionalidade de lei estadual que previa
tal benefício, o Superior Tribunal de Justiça se pronunciou afirmando que “a reparação ou
compensação dos fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade
jurídica constitui política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade
fraterna que se lê desde o preâmbulo da Constituição de 1988. A Lei Estadual
que prevê a reserva de vagas para
afro-descendentes em concurso público está de acordo com a
ordem constitucional vigente”.
Tais
medidas obtiveram maior reforço a partir da edição da Lei 12.288 de 2010, a
qual ficou conhecida como o “Estatuto
da Igualdade Racial”, cujo escopo firmou por garantir à
população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, através da adoção
de programas e políticas de ação afirmativa que tenham por desiderato a tutela
dos direitos fundamentais, incluindo-se nesse diapasão o direito de acesso aos
cargos públicos, tanto assim que o artigo 39 do EIR preceitua que “o poder
público deve promover ações para assegurar a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho
para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas, visando
a promoção da igualdade nas contratações do setor público”.
Uma
das questões que ainda albergam profundas dificuldades na consubstanciação e
consolidação de tais direitos reside na forma de verificação da condição de
índio ou mesmo na de afrodescendente; isso porque, mormente, tais constatações
se perfazem através de mecanismos frágeis e vulneráveis, tais como os da “auto-declaração”, as
quais por si só, podem se demonstrar inconsistentes, demandando da
Administração Pública à adoção de medidas complementares de confirmação do
alegado, para não desvirtuar aquilo que originariamente se justificava como um
direito legítimo para se tornar um pérfido privilégio.
No Estado de Mato Grosso do Sul, a declaração do candidato é submetida ao
crivo de uma comissão especial a quem incumbe analisar
a fidedignidade dos dados informados; destarte, os candidatos que se
declararam negros são analisados conforme o seu genótipo e
fenótipo e os que se afirmam indígenas passam a depender de uma
confirmação a ser proferida administrativamente pela Fundação Nacional do
Índio – Funai; verificando-se incorreções ou inexatidões nas declarações, o
candidato fica sujeito à exclusão do certame ou à demissão, esta
última na hipótese de já ter tomado posse, mas em ambas as situações,
poderá ser processado criminalmente por delito de falsidade material ou ideológica.
Nosso
entendimento é o de que a reserva de vagas em concursos públicos, seja para
afrodescendentes, seja para índios, possui pleno amparo e guarida
constitucional, eis que o Brasil possui uma imensa dívida histórica para com
essas populações que se viram privadas nos últimos séculos de ter acesso a
todos os bens da vida, demandando do Estado Social a adoção de medidas forjadas
no âmbito das ações afirmativas, para o fim de corrigir ou minimizar essas
graves distorções.
Importante
frisar que mesmo antes do advento do Estatuto da Igualdade Racial,
estados-membros da federação, tais como Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso
do Sul adotaram em suas legislações a reserva de vagas para candidatos
descendentes da população negra, o mesmo ocorrendo com diversos municípios do
Brasil, tais como Piracicaba (SP) e Vitória (ES); outras cidades como Londrina
vieram posteriormente a estabelecer os critérios para usufruir de tais
benefícios; outras unidades federativas caminham na mesma direção.
O
Direito Revisto – Ago/13
Publicado
originalmente em: IOB Concursos
Imagem: Reprodução Google
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