segunda-feira, 5 de agosto de 2013

É constitucional a previsão de reserva de vagas em concursos públicos para índios e negros?



Por Professor Vander Ferreira de Andrade

A questão das reservas de vagas em concursos públicos destinadas a índios e afrodescendentes, longe de se apresentar como uma pretensão de caráter consensual, guarda imensas dúvidas e discussões quanto a sua legitimidade, pertinência, legalidade e constitucionalidade.

De fato, a vigente ordem constitucional inaugurou um profundo debate na sociedade ao criar a reserva de vagas para portadores de necessidades especiais em 1988, resguardando a verificação casuística da natureza e da especificidade dos cargos públicos, culminando por consolidar um amplo panorama de consenso social, de modo que atualmente, pouco se discute a respeito desse benefício relativo aos deficientes, conquanto ainda existam problemas circunstanciais decorrentes sobretudo quanto ao conceito e alcance das denominadas “necessidades especiais” ou “deficiências físicas”, cuja análise deixaremos para uma próxima oportunidade.

Com efeito, verificam-se atualmente ao longo das diversos ordenamentos jurídicos, sejam eles estaduais ou municipais, ou mesmo no nível federal, previsões de caráter legal estabelecendo percentuais diversos de reserva de vagas para pessoas de descendência ou origem indígena e africana; a título de exemplo, o Instituto Rio Branco, responsável pela formação de Diplomatas no Brasil, prevê 30 vagas na segunda fase do certame especialmente destinada para negros.

Os incipientes questionamentos que vieram a desaguar na justiça, receberam do Poder Judiciário a manifestação de consonância com a ordem constitucional do direito de afrodescendentes e índios de ter previstas tais reservas de vagas em concursos públicos; assim é que em ação específica que buscava a declaração de inconstitucionalidade de lei estadual que previa tal benefício, o Superior Tribunal de Justiça se pronunciou afirmando que “a reparação ou compensação dos fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica constitui política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lê desde o preâmbulo da Constituição de 1988. A Lei Estadual que prevê a reserva de vagas para afro-descendentes em concurso público está de acordo com a ordem constitucional vigente”.

Tais medidas obtiveram maior reforço a partir da edição da Lei 12.288 de 2010, a qual ficou conhecida como o “Estatuto da Igualdade Racial”, cujo escopo firmou por garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, através da adoção de programas e políticas de ação afirmativa que tenham por desiderato a tutela dos direitos fundamentais, incluindo-se nesse diapasão o direito de acesso aos cargos públicos, tanto assim que o artigo 39 do EIR preceitua que “o poder público deve promover ações para assegurar a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas, visando a promoção da igualdade nas contratações do setor público”.

Uma das questões que ainda albergam profundas dificuldades na consubstanciação e consolidação de tais direitos reside na forma de verificação da condição de índio ou mesmo na de afrodescendente; isso porque, mormente, tais constatações se perfazem através de mecanismos frágeis e vulneráveis, tais como os da “auto-declaração”, as quais por si só, podem se demonstrar inconsistentes, demandando da Administração Pública à adoção de medidas complementares de confirmação do alegado, para não desvirtuar aquilo que originariamente se justificava como um direito legítimo para se tornar um pérfido privilégio.

No Estado de Mato Grosso do Sul, a declaração do candidato é submetida ao crivo de uma comissão especial a quem incumbe analisar a fidedignidade dos dados informados; destarte, os candidatos que se declararam negros são analisados conforme o seu genótipo e fenótipo e os que se afirmam indígenas passam a depender de uma confirmação a ser proferida administrativamente pela Fundação Nacional do Índio – Funai; verificando-se incorreções ou inexatidões nas declarações, o candidato fica sujeito à exclusão do certame ou à demissão, esta última na hipótese de já ter tomado posse, mas em ambas as situações, poderá ser processado criminalmente por delito de falsidade material ou ideológica.

Nosso entendimento é o de que a reserva de vagas em concursos públicos, seja para afrodescendentes, seja para índios, possui pleno amparo e guarida constitucional, eis que o Brasil possui uma imensa dívida histórica para com essas populações que se viram privadas nos últimos séculos de ter acesso a todos os bens da vida, demandando do Estado Social a adoção de medidas forjadas no âmbito das ações afirmativas, para o fim de corrigir ou minimizar essas graves distorções.

Importante frisar que mesmo antes do advento do Estatuto da Igualdade Racial, estados-membros da federação, tais como Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul adotaram em suas legislações a reserva de vagas para candidatos descendentes da população negra, o mesmo ocorrendo com diversos municípios do Brasil, tais como Piracicaba (SP) e Vitória (ES); outras cidades como Londrina vieram posteriormente a estabelecer os critérios para usufruir de tais benefícios; outras unidades federativas caminham na mesma direção.

O Direito Revisto – Ago/13
Publicado originalmente em: IOB Concursos
Imagem: Reprodução Google

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