Por Agência Fapesp - Karina Toledo
Um em cada cinco brasileiros sofreu punição física regular na infância
Uma pesquisa realizada em 11
capitais brasileiras revelou que mais de 70% dos 4.025 entrevistados
apanharam quando crianças. Para 20% deles, a punição física ocorreu de
forma regular – uma vez por semana ou mais.
Castigos com vara, cinto, pedaço de pau e outros objetos capazes de
provocar danos graves foram mais frequentes do que a palmada,
principalmente entre aqueles que disseram apanhar quase todos os dias.
O levantamento foi feito em 2010 e divulgado este mês pelo Núcleo de
Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), um Centro
de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP.
O objetivo da pesquisa, segundo Nancy Cardia, vice-coordenadora do
NEV, foi examinar como a exposição à violência afeta as atitudes, normas
e valores dos cidadãos em relação à violência, aos direitos humanos e
às instituições encarregadas de garantir a segurança.
“A pergunta sobre a punição corporal na infância se mostrou
absolutamente vital para a pesquisa. Ao cruzar esses resultados com
diversas outras questões, podemos notar que as vítimas de violência
grave na infância estão mais sujeitas a serem vítimas de violência ao
longo de toda a vida”, disse Cardia.
A explicação mais provável para o fenômeno é que as vítimas de
punição corporal abusiva na infância têm maior probabilidade de adotar a
violência como linguagem ao lidar com situações do cotidiano.
“A criança entende que a violência é uma opção legítima e vai usá-la
quando tiver um conflito com colegas da escola, por exemplo. Mas, ao
agredir, ele também pode sofrer agressão e se tornar vítima. E isso
cresce de forma exponencial ao longo da vida”, disse Cardia.
Os entrevistados que relataram ter apanhado muito quando criança
foram os que mais escolheram a opção “bater muito” em seus filhos caso
esses apresentassem mau comportamento. Também foram os que mais
esperariam que os filhos respondessem com violência caso fossem vítimas
de agressão física na escola. Segundo os pesquisadores, os dados sugerem
um ciclo perverso de uso de força física que precisa ser combatido.
Os resultados foram comparados com levantamento semelhante de 1999,
realizado pelo NEV nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belém, Manaus, Porto Velho e
Goiânia. No levantamento de 2010, a capital Fortaleza também foi
incluída.
Embora o percentual dos que afirmam ter sofrido punição física
regular tenha diminuído na última década – passando de um em cada quatro
entrevistados para um em cada cinco –, ainda é considerado alto.
A pesquisa mostrou também que a percepção da população sobre
crescimento da violência diminuiu, passando de 93,4% em 1999 para 72,8%
em 2010. No último levantamento, porém, foi maior a quantidade de
entrevistados que disse ter presenciado em seus bairros uso de drogas,
prisão, assalto e agressão.
De modo geral, houve uma melhora na avaliação das instituições de
segurança. O Exército apresentou um aumento expressivo de 55,2% em 1999
para 66,6% em 2010. A aprovação da Polícia Federal saltou de 42% para
60%. O índice de aceitação da Polícia Militar, a mais mal avaliada,
passou de 21,2% para 38%.
Penas e prisões
Um achado considerado preocupante pelos pesquisadores foi o
crescimento da tolerância ao uso de violência policial contra suspeitos
em determinados casos. O número de pessoas que discorda claramente da
tortura para obtenção de provas caiu de 71,2% para 52,5%, o que
significa que quase a metade dos entrevistados (47%) toleraria a
violência nessa situação.
Também caiu o percentual dos que discordam totalmente que a polícia
possa “invadir uma casa” (de 78,4% para 63,8%), “atirar em um suspeito”
(de 87,9% para 68,6%), “agredir um suspeito” (de 88,7%, para 67,9%) e
“atirar em suspeito armado” (de 45,4% para 38%).
Quando questionados sobre qual seria a punição mais adequada para
delitos considerados graves – entre eles sequestro, estupro, homicídio
praticado por jovem, terrorismo, tráfico de drogas, marido que mata
mulher e corrupção por político –, muitos entrevistados defenderam penas
que não fazem parte do Código Penal brasileiro, como prisão perpétua,
pena de morte e prisão com trabalhos forçados.
A pena de morte foi mais aceita em casos de estupro (39,5%) e a
prisão com trabalhos forçados foi mais defendida para políticos
corruptos (28,3%).
“Já esperávamos que a população apoiasse penas mais duras por causa
da frustração que existe em relação à impunidade. O conjunto das
respostas indica que as pessoas consideram as prisões como um depósito”,
avaliou Cardia.
Para a maioria dos entrevistados, a prisão é percebida como pouco ou
nada eficiente tanto para punir (60,7%) e reabilitar (65,7%) criminosos
como para dissuadir (60,9%) e controlar (63%) possíveis infratores. Essa
questão foi avaliada apenas na pesquisa de 2010.
Outro aspecto da pesquisa considerado negativo por Cardia foi a baixa
valorização de direitos democráticos como liberdade de expressão e de
oposição política.
Mais de 42% dos entrevistados concordam totalmente ou em parte que é
justificável que o governo censure a imprensa e 40% aceitam que pessoas
sejam presas por posições políticas, com a finalidade de manter a ordem
social. Para 40,4%, o país tem o direito de retirar a nacionalidade de
alguém por questões de segurança nacional.
“Esperávamos que, 30 anos após o fim da ditadura, os valores da
democracia tivessem 70% ou 80% de aprovação, mas isso não ocorreu. Além
disso há focos muito pouco democráticos que sobrevivem, como o apoio à
tortura. Há resquícios do pensamento de que degredo é legítimo e pode
ser aplicado no século 21. É chocante”, disse Cardia.
Revendo Direito - Fev/13
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-punicao-fisica-regular-na-infancia
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