Por Ricardo Castilho
Muito tem se dito a respeito do
auxílio-reclusão, benefício previdenciário previsto no art. 201, IV, da
CF que tem como beneficiários os dependentes do segurado de baixa renda.
Com efeito, são frequentes nas redes sociais e mesmo na doutrina
questionamentos – muitas vezes até revoltosos – a respeito do direito a
este benefício e de suas peculiaridades, como se se tratasse de um
estímulo à vida criminosa. Cumpre, então, desmistificar a figura.
Por primeiro, é preciso salientar que a função
precípua da Previdência Social é proteger não apenas o trabalhador, mas
também sua família nos momentos de intempéries. A proteção social
representada pelo pagamento do benefício nada mais corporifica do que a
solidariedade de toda a comunidade em relação àqueles que, pela própria
condição humana, veem-se em situação de vulnerabilidade – passageira,
como no caso da gestante e do recluso, ou definitiva, como no caso de
doença, morte ou invalidez.
Imaginar que a existência desses benefícios possa
incentivar a provocação voluntária de doenças ou a prática de crimes
revela, no mínimo, estreiteza de raciocínio. Ainda que isso ocorra em
casos obviamente patológicos, trata-se de mera exceção a confirmar a
regra e o desvelo da sociedade com toda espécie de vulnerabilidade não
pode ser afastado por existirem ocorrências dessa espécie.
Na verdade, em se tratando do auxílio-reclusão,
paira nos setores mais conservadores a repulsa causada pelo fato de que
do delito possa advir algum benefício para o criminoso. Tem-se aí uma
postura injustificável, seja porque as consequências negativas do delito
atingem também os familiares daquele a quem se imputa a prática do fato
típico sem que eles tenham contribuído para o seu advento, seja porque
repousa do cerne do direito penal o princípio da pessoalidade da pena
(art. 5º, XLV, da CF), segundo o qual a reprimenda penal não passará da
pessoa do condenado.
De se enfatizar, aliás, que consoante a redação do
art. 201, IV, da CF dada pela Emenda Constitucional nº 20/1988, o
auxílio-reclusão é devido aos dependentes do segurado, e não a este como
frequentemente se pensa. Nada mais lógico: com a prisão do segurado, os
dependentes, quase sempre ainda distantes da idade de ingressar no
mercado de trabalho, ficam à mercê da própria sorte e, pior, acoimados
pela má fama gerada por todo e qualquer processo criminal.
Veja-se que se trata de benefício previdenciário,
não, portanto, de cunho assistencial, de modo que o preso deve ostentar a
condição de segurado da Previdência Social, isto é, nem todo preso faz
jus ao recebimento. Daí ser equivocada a rasa crítica segundo a qual a
sociedade sustenta, por meio do benefício, o recluso durante o
cumprimento da pena – na verdade, o sistema é contributivo e, a rigor, o
próprio segurado privado da liberdade contribuiu anteriormente para a
formação do capital que possibilitou o pagamento de seu
auxílio-reclusão.
A importância do benefício é inegável, ainda mais
diante da precária estrutura social do país. Segundo dados veiculados no
Boletim Estatístico da Previdência Social (BEPS), no mês de janeiro do
presente ano foram pagos 33.544 auxílios-reclusão, perfazendo um total
de R$ 22.872.321.
É preciso também esclarecer que o benefício é
devido ao conjunto dos dependentes do segurado, tal qual uma pensão, ou
seja, o valor respectivo será dividido entre todos eles.
A Constituição Federal, em seu art. 201, IV,
estabelece que os beneficiários serão apenas os dependentes do segurado
de baixa renda, não deixando claro se quem deve ter baixa renda é o
segurado ou seus dependentes. É o Decreto nº 3.048/1999, em seu art.
116, que determina como marco a renda do segurado (atualmente não pode
passar de R$ 915,05).
A discussão a respeito da inconstitucionalidade do
dispostivo chegou ao STF por meio do Recurso Extraordinário nº
587.365/SC, já sob o atual regime da repercussão geral, no qual restou
decidido que o parâmetro para concessão do benefício é a renda do
segurado preso e não a de seus dependentes. A decisão é relevante e por
isso passamos a expor seus fundamentos.
Em seu voto, o Relator, ministro Ricardo
Lewandowski, para além de uma interpretação literal da Constituição,
pautou-se por uma hermenêutica teleológica do art. 201, IV, da CF, para
constatar que a restrição trazida pela EC nº 20/1998 teve precisamente o
escopo de limitar o universo dos beneficiários aos dependentes do
segurado de baixa renda, restrição inexistente antes da Emenda.
Fundamentou sua decisão, ainda, no princípio da seletividade, inerente à
prestação de todo benefício previdenciário (art. 194, III, da CF),
segundo o qual este deve ser pago somente a quem efetivamente dele
necessite.
Aduziu o Relator que se a renda a ser considerada
fosse a dos dependentes, o auxílio-reclusão alcançaria qualquer segurado
preso, o que “(...) não se presta a promover a justiça social, que
todos almejamos, (...) eis que levaria ao favorecimento de dependentes
de presos que não se enquadram no padrão de baixa renda”.
O agora ministro aposentado Cezar Peluso divergiu,
tendo entendido que a norma constitucional determina que o
auxílio-reclusão é devido aos dependentes do segurado que tenham baixa
renda, ou seja, votou pela renda dos dependentes como parâmetro para
concessão do benefício, até porque, segundo sustentou, não haveria
sentido em socorrer dependentes que fossem abastados. Foi seguido pelos
ministros Eros Grau e Celso de Mello.
Portanto, de acordo com a legislação e a jurisprudência reinante, é
preciso deixar claro: o auxílio-reclusão somente é devido aos
dependentes do segurado preso – ou seja, do trabalhador – que seja (ele,
segurado) pobre. E o é apenas enquanto o segurado estiver cumprindo
pena nos regimes fechado ou semi-aberto – não haveria como ser
diferente, já que no regime aberto o trabalho é uma obrigação do
sentenciado (art. 36, § 1º, do Código Penal), que, então, ao menos em
tese, poderá tornar a sustentar sua família.
Revendo Direito - Fev/13
http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/auxilio-reclusao-mitos-e-verdades/10369
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