quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Auxílio-reclusão: mitos e verdades

Por Ricardo Castilho

Muito tem se dito a respeito do auxílio-reclusão, benefício previdenciário previsto no art. 201, IV, da CF que tem como beneficiários os dependentes do segurado de baixa renda. Com efeito, são frequentes nas redes sociais e mesmo na doutrina questionamentos – muitas vezes até revoltosos – a respeito do direito a este benefício e de suas peculiaridades, como se se tratasse de um estímulo à vida criminosa. Cumpre, então, desmistificar a figura.

Por primeiro, é preciso salientar que a função precípua da Previdência Social é proteger não apenas o trabalhador, mas também sua família nos momentos de intempéries. A proteção social representada pelo pagamento do benefício nada mais corporifica do que a solidariedade de toda a comunidade em relação àqueles que, pela própria condição humana, veem-se em situação de vulnerabilidade – passageira, como no caso da gestante e do recluso, ou definitiva, como no caso de doença, morte ou invalidez.

Imaginar que a existência desses benefícios possa incentivar a provocação voluntária de doenças ou a prática de crimes revela, no mínimo, estreiteza de raciocínio. Ainda que isso ocorra em casos obviamente patológicos, trata-se de mera exceção a confirmar a regra e o desvelo da sociedade com toda espécie de vulnerabilidade não pode ser afastado por existirem ocorrências dessa espécie.

Na verdade, em se tratando do auxílio-reclusão, paira nos setores mais conservadores a repulsa causada pelo fato de que do delito possa advir algum benefício para o criminoso. Tem-se aí uma postura injustificável, seja porque as consequências negativas do delito atingem também os familiares daquele a quem se imputa a prática do fato típico sem que eles tenham contribuído para o seu advento, seja porque repousa do cerne do direito penal o princípio da pessoalidade da pena (art. 5º, XLV, da CF), segundo o qual a reprimenda penal não passará da pessoa do condenado.

De se enfatizar, aliás, que consoante a redação do art. 201, IV, da CF dada pela Emenda Constitucional nº 20/1988, o auxílio-reclusão é devido aos dependentes do segurado, e não a este como frequentemente se pensa. Nada mais lógico: com a prisão do segurado, os dependentes, quase sempre ainda distantes da idade de ingressar no mercado de trabalho, ficam à mercê da própria sorte e, pior, acoimados pela má fama gerada por todo e qualquer processo criminal.

Veja-se que se trata de benefício previdenciário, não, portanto, de cunho assistencial, de modo que o preso deve ostentar a condição de segurado da Previdência Social, isto é, nem todo preso faz jus ao recebimento. Daí ser equivocada a rasa crítica segundo a qual a sociedade sustenta, por meio do benefício, o recluso durante o cumprimento da pena – na verdade, o sistema é contributivo e, a rigor, o próprio segurado privado da liberdade contribuiu anteriormente para a formação do capital que possibilitou o pagamento de seu auxílio-reclusão.

A importância do benefício é inegável, ainda mais diante da precária estrutura social do país. Segundo dados veiculados no Boletim Estatístico da Previdência Social (BEPS), no mês de janeiro do presente ano foram pagos 33.544 auxílios-reclusão, perfazendo um total de R$ 22.872.321.

É preciso também esclarecer que o benefício é devido ao conjunto dos dependentes do segurado, tal qual uma pensão, ou seja, o valor respectivo será dividido entre todos eles.

A Constituição Federal, em seu art. 201, IV, estabelece que os beneficiários serão apenas os dependentes do segurado de baixa renda, não deixando claro se quem deve ter baixa renda é o segurado ou seus dependentes. É o Decreto nº 3.048/1999, em seu art. 116, que determina como marco a renda do segurado (atualmente não pode passar de R$ 915,05).

A discussão a respeito da inconstitucionalidade do dispostivo chegou ao STF por meio do Recurso Extraordinário nº 587.365/SC, já sob o atual regime da repercussão geral, no qual restou decidido que o parâmetro para concessão do benefício é a renda do segurado preso e não a de seus dependentes. A decisão é relevante e por isso passamos a expor seus fundamentos.

Em seu voto, o Relator, ministro Ricardo Lewandowski, para além de uma interpretação literal da Constituição, pautou-se por uma hermenêutica teleológica do art. 201, IV, da CF, para constatar que a restrição trazida pela EC nº 20/1998 teve precisamente o escopo de limitar o universo dos beneficiários aos dependentes do segurado de baixa renda, restrição inexistente antes da Emenda. Fundamentou sua decisão, ainda, no princípio da seletividade, inerente à prestação de todo benefício previdenciário (art. 194, III, da CF), segundo o qual este deve ser pago somente a quem efetivamente dele necessite.

Aduziu o Relator que se a renda a ser considerada fosse a dos dependentes, o auxílio-reclusão alcançaria qualquer segurado preso, o que “(...) não se presta a promover a justiça social, que todos almejamos, (...) eis que levaria ao favorecimento de dependentes de presos que não se enquadram no padrão de baixa renda”.

O agora ministro aposentado Cezar Peluso divergiu, tendo entendido que a norma constitucional determina que o auxílio-reclusão é devido aos dependentes do segurado que tenham baixa renda, ou seja, votou pela renda dos dependentes como parâmetro para concessão do benefício, até porque, segundo sustentou, não haveria sentido em socorrer dependentes que fossem abastados. Foi seguido pelos ministros Eros Grau e Celso de Mello.

Portanto, de acordo com a legislação e a jurisprudência reinante, é preciso deixar claro: o auxílio-reclusão somente é devido aos dependentes do segurado preso – ou seja, do trabalhador – que seja (ele, segurado) pobre. E o é apenas enquanto o segurado estiver cumprindo pena nos regimes fechado ou semi-aberto – não haveria como ser diferente, já que no regime aberto o trabalho é uma obrigação do sentenciado (art. 36, § 1º, do Código Penal), que, então, ao menos em tese, poderá tornar a sustentar sua família.

Revendo Direito - Fev/13
http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/auxilio-reclusao-mitos-e-verdades/10369

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