terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Casal Nardoni não tem direito a protesto por novo Júri? Aplica-se o Princípio da Imediatidade?

 Por Aury Lopes Jr.
Segunda a relatora, ministra Laurita Vaz, ao analisar o caso, “o fato de a lei nova ter extinguido o recurso de protesto por novo júri não afasta o direito à recorribilidade subsistente pela lei anterior”. No entanto, para avaliação da possibilidade de utilização de recurso suprimido, a relatora explicou que a lei que deve ser considerada é aquela vigente no momento em que surge para a parte o direito subjetivo ao recurso, ou seja, quando há a publicação da decisão a ser impugnada.”

Prossegue a relatora afirmando que embora o crime tenha ocorrido antes da vigência da lei que retirou o recurso do sistema processual, o julgamento no tribunal do júri foi concluído em 26 de março de 2010, quando já estava em vigor a nova legislação. 

A questão encerra uma discussão sobre a eficácia da lei processual penal no tempo, que merece ser recordada. Como explicamos na obra “Direito Processual Penal”, 10 ed., editora Saraiva, “ensina a doutrina tradicional que o processo penal é guiado pelo Princípio da Imediatidade (art. 2º do CPP), de modo que as normas processuais penais teriam aplicação imediata, independente de serem benéficas ou prejudiciais ao réu, tão logo passasse a vacatio legis, sem prejudicar, contudo, os atos já praticados, eis que não retroagiria jamais. Para tanto, é recorrente a seguinte distinção: leis penais puras; leis processuais penais puras; leis mistas.

A lei penal pura é aquela que disciplina o poder punitivo estatal. Dispõe sobre o conteúdo material do processo, ou seja, o Direito Penal. Diz respeito à tipificação de delitos, pena máxima e mínima, regime de cumprimento etc. Para essas, valem as regras do Direito Penal, ou seja, em linhas gerais: retroatividade da lei penal mais benigna e irretroatividade da lei mais gravosa.

A lei processual penal pura regula o início, desenvolvimento ou fim do processo e os diferentes institutos processuais. Exemplo: perícias, rol de testemunhas, forma de realizar atos processuais, ritos etc. Aqui vale o princípio da imediatidade, onde a lei será aplicada a partir dali, sem efeito retroativo e sem que se questione se mais gravosa ou não ao réu.
Assim, se no curso do processo penal surgir uma nova lei exigindo que as perícias sejam feitas por três peritos oficiais, quando a lei anterior exigia apenas dois, deve¬ se questionar: a perícia já foi realizada? Se não foi, quando for levada a cabo, deverá sê­ lo segundo a regra nova. Mas, se já foi praticada, vale a regra vigente no momento de sua realização. A lei nova não retroage. 

Por fim, existem as leis mistas, ou seja, aquelas que possuem caracteres penais e processuais. Nesse caso, aplica se a regra do Direito Penal, ou seja, a lei mais benigna é retroativa e a mais gravosa não. Alguns autores chamam de normas mistas com prevalentes caracteres penais, eis que disciplinam um ato realizado no processo, mas que diz respeito ao poder punitivo e à extinção da punibilidade. Exemplo: as normas que regulam a representação, ação penal, queixa crime, perdão, renúncia, perempção etc.
MAS E DIANTE DA REFORMA PROCESSUAL DE 2008, COMO FICOU A SITUAÇÃO?
Evidenciou-se a insuficiência dessa estrutura teórica e os tribunais determinaram a repetição de interrogatórios já feitos, repetição de atos procedimentais, etc. Ou seja, não é viável a aplicação do principio da imediatidade neste termos, de forma tão simplista.
Pensamos que o Princípio da Imediatidade contido no art. 2º do CPP, assim aplicado, não resistiria a uma filtragem constitucional, ou seja, quando confrontado com o art. 5º, XL, da Constituição.

A irretroatividade da “lei penal” deve também compreender, pelas mesmas razões, a lei processual penal, a despeito do que dispõe o art. 2º do Código de Processo Penal, que determina, como regra geral, a aplicação imediata da norma, uma vez que deve ser (re)interpretado à luz da Constituição Federal. Isso porque não há como se pensar o Direito Penal completamente desvinculado do processo e vice¬ versa. Recordando o princípio da necessidade, não poderá haver punição sem lei anterior que preveja o fato punível e um processo que o apure. Tampouco pode haver um processo penal senão para apurar a prática de um fato aparentemente delituoso e aplicar a pena correspondente. Assim, essa íntima relação e interação dão o caráter de coesão do “sistema penal”, não permitindo que se pense o Direito Penal e o processo penal como compartimentos estanques. Logo, as regras da retroatividade da lei penal mais benéfica devem ser compreendidas dentro da lógica sistêmica, ou seja, retroatividade da lei penal ou processual penal mais benéfica e vedação de efeitos retroativos da lei (penal ou processual penal) mais gravosa ao réu. 

Portanto, impõe se discutir se a nova lei processual penal é mais gravosa ou não ao réu, como um todo. Se prejudicial, porque suprime ou relativiza garantias – v.g., adota critérios menos rígidos para a decretação de prisões cautelares ou amplia os seus respectivos prazos de duração, veda a liberdade provisória mediante fiança, restringe a participação do advogado ou a utilização de algum recurso etc. –, limitar se á a reger os processos relativos às infrações penais consumadas após a sua entrada em vigor.

A lei deve cumprir sua função de garantia, de modo que, por norma processual menos benéfica, se há de entender toda disposição normativa que importe diminuição de garantias, e, por mais benéfica, a que implique o contrário: aumento de garantias processuais.Então, a lei processual penal mais gravosa não incide naquele processo, mas somente naqueles cujos crimes tenham sido praticados após a vigência da lei. 

Por outro lado, a lei processual penal mais benéfica poderá perfeitamente retroagir para beneficiar o réu, ao contrário do defendido pelo senso comum teórico.
O princípio da imediatidade segue tendo plena aplicação nos casos de leis meramente procedimentais, de conteúdo neutro (a ser aferido no caso concreto), na medida em que não geram gravame para a defesa. E, nessa situação, é necessário analisar se o caso em concreto, não havendo possibilidade de criar se uma estrutura teórica que dê conta da diversidade e complexidade que a realidade processual pode produzir. 

POR ÚLTIMO, EM RELAÇÃO AO SISTEMA RECURSAL, DEVE-SE CONSIDERAR O SEGUINTE: 'recursus' nos remete a "retomar o curso', jamais de 'estabelecer um novo curso'. É um desdobramento do processo exitente, da situação juridico-processual estabelecida. Portanto, o direito de recorrer (faceta do direito de defesa) nasceu lá atrás, no inicio do processo e não na sentença. 

Dessarte, penso que a questão é mais complexa e que os réus tinham sim direito ao protesto por novo júri, com a devida vênia ao entendimento diverso. E, mais do que isso, novamente estamos diante de uma situação de ‘perigo hermenêutico”: quando convém, aplica-se a imediatidade (como nesse caso), quando não convém, manda-se repetir (o que significa dar a nova lei mais benigna um caráter retroativo – incompatível com a aplicação tradicional da imediatidade – como se fez em relação ao procedimento ordinário após a reforma...).

Veremos o que diz o STF...
O Direito Revisto - Fev/13
https://www.facebook.com/aurylopesjr/posts/421240394629623
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário