Por Elis Pena
O homem como centro do direito natural, adquiriu consciência da
necessidade da dignidade da pessoa humana, em uma busca que o levou a
discutir a sua inserção como peça principal nos princípios fundamentais
da Constituição Federal e conflitar sua vulnerabilidade diante do
princípio da proporcionalidade.
1. Direito Natural (Jusnaturalismo) *
A origem do direito natural está inserida como essência no próprio homem, quando ele descobriu ser dotado de razão e por isto precisou disseminar e utilizar da justiça para que pudesse dar continuidade a sua espécie, transformando-a no que hoje conhecemos por sociedade.
“É observando a natureza humana, verificando o que lhe é peculiar e essencial, que a razão induz aos princípios do Direito Natural. Durante muito tempo o pensamento jusnaturalista esteve mergulhado na Religião e concebido como de origem divina. Assim aceito, o direito Natural, seria uma revelação feita por Deus aos homens. Coube ao jusconsulto holandês, Hugo Grócio, considerado ‘o pai do direito natural’, promover a laicização desse Direito. A sua famosa frase ressoa até os dias atuais: “O Direito Natural existiria mesmo que Deus não existisse ou que, existindo, não cuidasse dos assuntos humanos”.[1]
Paulo Nader enfatiza que, “há uma outra ordem, superior àquela e que é a expressão do Direito justo. É a idéia de Direito perfeito e por isso deve servir de modelo para o legislador. É o Direito ideal , mas ideal não no sentido utópico, mas um ideal alcançável. A divergência maior na conceituação do Direito Natural está centralizada na origem e fundamentação desse Direito. Para o estoicismo helênico, localizava-se na natureza cósmica. No pensamento teológico medieval. O direito Natural seria a expressão da vontade divina. Para outros, se fundamenta apenas na razão. O pensamento predominantemente na atualidade é o de que o Direito Natural se fundamenta na natureza humana”.[2]
O Direito Natural apresenta-se hoje, em nossas codificações, de forma a trazer uma proteção ao indivíduo, possibilitando-lhe dispor de todos seus Direitos e Garantias, conforme expresso em Lei.
As correntes contrárias(Juspositivismo) que, portanto, negam sua concepção de valor enquanto norma implícita em nossas codificações, justificam que não é possível vivermos somente com os princípios de Direito Natural ou Jusnaturalismo , pois desta forma estaríamos retornando ao aterrorizante Estado de Natureza descrito por Hobbes, que colocaria todos contra todos; ninguém teria direito a nada, onde viveríamos o ‘olho por olho, dente por dente’.
Hoje, concebe-se o Direito Natural como um conjunto de amplos princípios, que o legislador deveria se valer na criação de novas leis. São eles: o direito à vida, à liberdade, à participação na vida social, à união para procriação da prole, à igualdade de oportunidades.[3]
O Jusnaturalismo revela-se, assim, como um meio ou instrumento a atacar todas as formas de totalitarismo, traçando as linhas dominantes de proteção ao homem, para que este tenha as condições básicas para realizar todo o seu potencial para o bem.[4]
2. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
O humanista italiano Pico della Mirandola, partindo da racionalidade como qualidade peculiar inerente ao ser humano, advogou ser esta a qualidade que lhe possibilita construir de forma livre e independente sua própria existência e seu próprio destino.[5]
Para a afirmação da idéia de dignidade humana, foi especialmente preciosa a contribuição do espanhol Francisco de Vitória, quando, no século XVI, no limiar da expansão colonial espanhola, sustentou, relativamente ao processo de aniquilação, exploração e escravidão dos habitantes dos índios e baseado no pensamento estóico e cristão, que os indígenas, em função do direito natural e de sua natureza humana – e não pelo fato de serem cristãos, católicos ou protestantes – eram em princípio livres e iguais, devendo ser respeitados como sujeitos de direitos, proprietários e na condição de signatários dos contratos firmados com a coroa espanhola. No âmbito do pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, a concepção da dignidade da pessoa humana, assim como a idéia do direito natural em si, passou por um processo de racionalização e laicização, mantendo-se, todavia, a noção fundamental da igualdade de todos os homens em dignidade e liberdade. Destacam-se, neste período, os nomes de Samuel Pufendorf, para quem mesmo o monarca deveria respeitar a dignidade da pessoa humana, considerada esta como a liberdade do ser humano de optar de acordo com sua razão e agir conforme o seu entendimento e sua opção, bem como – bem como de modo particularmente significativo – o de Immanuel Kant, cuja concepção de dignidade parte da autonomia ética do ser humano, considerando esta(a autonomia) como fundamento da dignidade do homem, além de sustentar que o ser humano ( o indivíduo) não pode ser tratado – nem por ele próprio – como objeto. É com Kant que, de certo modo, se completa o processo de secularização da dignidade.[6]
Kant sinala que a autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis, é um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo-se alicerce da dignidade humana.[7]
Ainda segundo Kant “dignidade é o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade”.[8]
Hegel em sua noção desenvolvida na Filosofia do Direito diz que
"a dignidade constitui uma qualidade a ser conquistada. Na condição de um dos expoentes do idealismo filosófico alemão do século XIX, Hegel acabou por sustentar uma noção de dignidade centrada na idéia de eticidade (instância que sintetiza o concreto e o universal, assim como o individual e o comunitário), de tal sorte que o ser humano não nasce digno, mas torna-se digno a partir do momento em que assume sua condição de cidadão".[9]
Da concepção jusnaturalista que, vivenciava seu apogeu justamente no século XVIII, remanesce, a constatação de que uma ordem constitucional que consagra a idéia da dignidade da pessoa, parte do pressuposto de que o homem, em virtude de sua condição humana é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado.[11]
O conteúdo da noção de dignidade da pessoa humana, na sua condição de conceito jurídico-normativo, reclama uma constante concretização e delimitação pela práxis constitucional, tarefa cometida a todos os órgãos estatais.[12]
A dignidade da pessoa humana, deve ser compreendida como qualidade integrante e irrenunciável da condição humana, podendo ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, ser criada, concedida ou retirada, já que é inerente ao ser humano.[13]
Dworkin, parte do pressuposto de que a dignidade possui tanto uma voz ativa quanto passiva, que ambas encontram-se conectadas. Desta forma diz que é na ‘santidade e inviolabilidade’ da vida humana, que mesmo aquele que já perdeu a consciência merece tê-la considerada e respeitada.[14]
O próprio Dworkin, acaba reportando-se direta e expressamente à doutrina de Kant, quando relembra que o ser humano não poderá jamais ser tratado como objeto, como mero instrumento para realização dos fins alheios.[15]
Com efeito, Kant refere expressamente que o Homem constitui um fim em si mesmo e não pode servir ‘simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade’. [16]
A positivação do princípio da dignidade da pessoa humana é, como habitualmente lembrado, relativamente recente, ainda mais em se considerando as origens remotas a que pode ser reconduzida a noção de dignidade. Apenas ao longo do século XX e, ressalvada uma ou outra exceção, tão-somente a partir da Segunda Guerra Mundial, a dignidade da pessoa humana passou a ser reconhecida expressamente nas Constituições, notadamente após ter sido consagrada pela Declaração Universal da ONU de 1948.[17]
3. CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGO 5º, INCISO X
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.[18]
A nossa Constituição vigente, foi a primeira na história do constitucionalismo pátrio a prever um título próprio destinado aos princípios fundamentais.[19]
Os direitos fundamentais são, nessa sua dimensão natural, direitos absolutos, imutáveis e intemporais, inerentes à qualidade de homem de seus titulares, e constituem um núcleo restrito que se impõe a qualquer ordem jurídica.[20]
O Constituinte deixou transparecer de forma clara e inequívoca a sua intenção de outorgar aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda a ordem constitucional.[21]
A Constituição brasileira, em seu Artigo 5º, Inciso X, assegura o direito à intimidade como um dos mais relevantes, visto que, De Plácido e Silva, esclarece que: “intimidade, derivado do latim intimus, indica a qualidade ou caráter das coisas e dos fatos, que se mostram estreitamente ligados, ou das pessoas, que se mostram afetuosamente unidas pela estima”.[22] Sendo assim, o direito à intimidade enquadra-se no rol dos direitos da personalidade, que são essenciais para possibilitar a cada indivíduo uma vida digna.[23]
A vida privada abrange todos os aspectos que por qualquer razão o sujeito não deseja ver cair no domínio público; é aquilo que não deve ser objeto de direito à informação, nem da curiosidade da sociedade. Desenvolve-se fora da vista do grande público, perante um pequeno grupo de íntimos.[24]
A honra e a imagem que também são asseguradas pelo mesmo inciso, equivalem-se a virtude, o respeito que cada indivíduo é merecedor tanto no que se refere a sua figura como pessoa de direitos, quanto ao fato da reputação, como os demais o identificam no convívio social por suas atitudes e valores.
4. Princípio da Proporcionalidade
Os gregos já regravam seu comportamento pela idéia de ‘equilíbrio harmônico, expressa pelas noções de métron, o padrão do justo, belo e bom, e de hybris, a extravagância dessa medida, fonte de sofrimento’.[25]
A origem e o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade é inerente ao ser humano, pois está ligado à evolução dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, verificado a partir do surgimento do Estado de Direito burguês na Europa.[26]
O período histórico que corresponde ao uso deste princípio de forma mais relevante é a partir do século XVIII, onde na Inglaterra se falava a respeito dos direitos naturais serem antecedentes ao aparecimento do Estado.
A Alemanha veio de forma pioneira enfocando este princípio na Constituição de Weimar, mas sua efetivação começou somente após a Segunda Guerra Mundial, quando os tribunais de forma ainda lenta, utilizaram-se da proporcionalidade para legitimar situações que nem sempre eram atendidas de forma justa pela positivação das leis.
O Princípio da Proporcionalidade em sentido amplo (princípio da proibição de excesso), nasceu ligado à necessidade de limitar o poder executivo no século XVIII, nas áreas administrativa e penal. No século XIX, passou a regular o principio geral de polícia.[27]
No século XX este princípio passou a povoar as Constituições Ocidentais e neste contexto trataremos aqui do seu sentido estrito, ou seja, o definiremos como “é o que busca a proporção entre o objeto perseguido pela norma e o ônus imposto ao atingido, resultado este que só pode ser obtido mediante a ponderação realizada no caso concreto”.[28]
O direito germânico através da contribuição jurisprudencial e doutrinária, conquistou uma posição mais objetiva que se resume nos três subprincípios da proporcionalidade. São eles: o subprincípios da conformidade ou da adequação de meios; subprincípio da exigibilidade ou da necessidade; subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito.
A conformidade ou adequação(pertinência ou aptidão) de meios é , segundo BRAGA (2004, p.86), o grau de eficácia do suposto meio e de sua contribuição ou aptidão para a satisfação do fim desejado. O ato precisa ser justificado pelos fins para a sua legítima adoção.
A exigibilidade ou necessidade é o emprego da menor desvantagem possível para a pessoa. A escolha do meio menos oneroso aos interesses constitucionalmente tutelados.
Em sentido estrito o princípio da proporcionalidade surge para solucionar o problema
de valores tutelados pela Constituição que estiverem em conflito.
“Levar-se-ão em conta, a menor desvantagem possível, a menos gravosa ou nociva para o alcance do fim legal. A exigibilidade é a busca do meio menos injurioso aos bens e valores constitucionalmente protegidos”.[29]
“Assim, a proporcionalidade em sentido estrito implica o máximo benefício com o mínimo de sacrifício”.[30]
O princípio da proporcionalidade trata aqui da idéia de justa medida, do equilíbrio, que está indissociavelmente ligada à idéia de justiça, mesmo que não se consiga de toda a forma contentar em absoluto as partes envolvidas na questão.
Conclusão
Corroborando com o Jusnaturalismo, neste trabalho, observo que, o princípio da dignidade da pessoa humana delimita a condição para a existência mínima de todo o ser humano. Entendo que, quando se criou consciência de que o homem não pode ser tratado como um objeto(Kant) e mais tarde (Dworkin), se criou também uma consciência de que o ser racional precisa de uma condição que o salvaguarde dos atos cometidos pelos demais, em situações conflitantes, onde se perdeu de forma parcial ou total o discernimento da vida.
A Constituição Federal vigente, conforme abordado anteriormente em seu Inciso X, trouxe como garantia fundamental a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurado indenização caso estes direitos tutelados pela Carta Máxima sejam violados. Mas, até que ponto este direitos são isentos de violação na prática de uma disciplina mínima de segurança?
Para responder esta questão usei o princípio da proporcionalidade. Quando se falou em eutanásia, como no caso ocorrido recentemente nos Estados Unidos, onde o marido alegava ser solicitação da esposa, ainda em vida, que se algum dia ela ficasse em estado vegetativo, que fosse de imediato utilizado este método; recentemente aprovada a Lei de Biosegurança, que possibilita experimentos com células-tronco embrionárias, ou seja, utiliza-se os embriões congelados por mais de três anos para que sirvam às pesquisas científicas com o intuito de proporcionar cura para males como o Diabetes, Parkson, Alzeimer, e tantos outros que poderão surgir através dos experimentos. Me questiono constantemente com o rumo que a nossa evolução ou ‘involução’ toma, e de carona leva a humanidade.
O direito à intimidade, a vida privada também foram muitas vezes questionados quando se precisou proteger um número maior de pessoas – quando por algum motivo os direitos coletivos se sobrepõe aos individuais, como por exemplo, sendo conhecido um mafioso, ou um grande traficante, em prol do bem comum, em prol do benefício que isto trará para a sociedade em questão, os direitos individuais destes, poderão em parte, serem violados (invasão da casa do acusado com mandado judicial durante o dia, invadindo desta forma sua privacidade, intimidade, etc.), mas como citou PINHEIRO (2004, p. 184) “ocorrerá um afastamento, em função de um direito axiologicamente mais relevante” [31]. O afastamento que é mencionado é o que se refere aos direitos individuais quanto sua privacidade, intimidade, etc., em benefício ao maior número possível de cidadãos.
Mediante o trabalho apresentado e o já estudado à respeito do tema em questão, acredito que se fazem necessários meios adicionais como os princípios para que possamos regulamentar situações atinentes a vida em sociedade. Penso ainda que, cada caso é um caso e se precisa agir com ressalva para não infringirmos, não só direitos e garantias, mas acima de tudo, a própria condição de humanos.
E para finalizar é mister considerar que no período em que se fala de dignidade, nada melhor do que se usar de todos os meios legais e coerentes que os operadores do direito dispõe para a aplicação da justiça, fugindo das amarras utópicas que serviram, até então, como camuflagem de situações nada dignas.
1. Direito Natural (Jusnaturalismo) *
A origem do direito natural está inserida como essência no próprio homem, quando ele descobriu ser dotado de razão e por isto precisou disseminar e utilizar da justiça para que pudesse dar continuidade a sua espécie, transformando-a no que hoje conhecemos por sociedade.
“É observando a natureza humana, verificando o que lhe é peculiar e essencial, que a razão induz aos princípios do Direito Natural. Durante muito tempo o pensamento jusnaturalista esteve mergulhado na Religião e concebido como de origem divina. Assim aceito, o direito Natural, seria uma revelação feita por Deus aos homens. Coube ao jusconsulto holandês, Hugo Grócio, considerado ‘o pai do direito natural’, promover a laicização desse Direito. A sua famosa frase ressoa até os dias atuais: “O Direito Natural existiria mesmo que Deus não existisse ou que, existindo, não cuidasse dos assuntos humanos”.[1]
Paulo Nader enfatiza que, “há uma outra ordem, superior àquela e que é a expressão do Direito justo. É a idéia de Direito perfeito e por isso deve servir de modelo para o legislador. É o Direito ideal , mas ideal não no sentido utópico, mas um ideal alcançável. A divergência maior na conceituação do Direito Natural está centralizada na origem e fundamentação desse Direito. Para o estoicismo helênico, localizava-se na natureza cósmica. No pensamento teológico medieval. O direito Natural seria a expressão da vontade divina. Para outros, se fundamenta apenas na razão. O pensamento predominantemente na atualidade é o de que o Direito Natural se fundamenta na natureza humana”.[2]
O Direito Natural apresenta-se hoje, em nossas codificações, de forma a trazer uma proteção ao indivíduo, possibilitando-lhe dispor de todos seus Direitos e Garantias, conforme expresso em Lei.
As correntes contrárias(Juspositivismo) que, portanto, negam sua concepção de valor enquanto norma implícita em nossas codificações, justificam que não é possível vivermos somente com os princípios de Direito Natural ou Jusnaturalismo , pois desta forma estaríamos retornando ao aterrorizante Estado de Natureza descrito por Hobbes, que colocaria todos contra todos; ninguém teria direito a nada, onde viveríamos o ‘olho por olho, dente por dente’.
Hoje, concebe-se o Direito Natural como um conjunto de amplos princípios, que o legislador deveria se valer na criação de novas leis. São eles: o direito à vida, à liberdade, à participação na vida social, à união para procriação da prole, à igualdade de oportunidades.[3]
O Jusnaturalismo revela-se, assim, como um meio ou instrumento a atacar todas as formas de totalitarismo, traçando as linhas dominantes de proteção ao homem, para que este tenha as condições básicas para realizar todo o seu potencial para o bem.[4]
2. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
O humanista italiano Pico della Mirandola, partindo da racionalidade como qualidade peculiar inerente ao ser humano, advogou ser esta a qualidade que lhe possibilita construir de forma livre e independente sua própria existência e seu próprio destino.[5]
Para a afirmação da idéia de dignidade humana, foi especialmente preciosa a contribuição do espanhol Francisco de Vitória, quando, no século XVI, no limiar da expansão colonial espanhola, sustentou, relativamente ao processo de aniquilação, exploração e escravidão dos habitantes dos índios e baseado no pensamento estóico e cristão, que os indígenas, em função do direito natural e de sua natureza humana – e não pelo fato de serem cristãos, católicos ou protestantes – eram em princípio livres e iguais, devendo ser respeitados como sujeitos de direitos, proprietários e na condição de signatários dos contratos firmados com a coroa espanhola. No âmbito do pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, a concepção da dignidade da pessoa humana, assim como a idéia do direito natural em si, passou por um processo de racionalização e laicização, mantendo-se, todavia, a noção fundamental da igualdade de todos os homens em dignidade e liberdade. Destacam-se, neste período, os nomes de Samuel Pufendorf, para quem mesmo o monarca deveria respeitar a dignidade da pessoa humana, considerada esta como a liberdade do ser humano de optar de acordo com sua razão e agir conforme o seu entendimento e sua opção, bem como – bem como de modo particularmente significativo – o de Immanuel Kant, cuja concepção de dignidade parte da autonomia ética do ser humano, considerando esta(a autonomia) como fundamento da dignidade do homem, além de sustentar que o ser humano ( o indivíduo) não pode ser tratado – nem por ele próprio – como objeto. É com Kant que, de certo modo, se completa o processo de secularização da dignidade.[6]
Kant sinala que a autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis, é um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo-se alicerce da dignidade humana.[7]
Ainda segundo Kant “dignidade é o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade”.[8]
Hegel em sua noção desenvolvida na Filosofia do Direito diz que
"a dignidade constitui uma qualidade a ser conquistada. Na condição de um dos expoentes do idealismo filosófico alemão do século XIX, Hegel acabou por sustentar uma noção de dignidade centrada na idéia de eticidade (instância que sintetiza o concreto e o universal, assim como o individual e o comunitário), de tal sorte que o ser humano não nasce digno, mas torna-se digno a partir do momento em que assume sua condição de cidadão".[9]
Da concepção jusnaturalista que, vivenciava seu apogeu justamente no século XVIII, remanesce, a constatação de que uma ordem constitucional que consagra a idéia da dignidade da pessoa, parte do pressuposto de que o homem, em virtude de sua condição humana é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado.[11]
O conteúdo da noção de dignidade da pessoa humana, na sua condição de conceito jurídico-normativo, reclama uma constante concretização e delimitação pela práxis constitucional, tarefa cometida a todos os órgãos estatais.[12]
A dignidade da pessoa humana, deve ser compreendida como qualidade integrante e irrenunciável da condição humana, podendo ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, ser criada, concedida ou retirada, já que é inerente ao ser humano.[13]
Dworkin, parte do pressuposto de que a dignidade possui tanto uma voz ativa quanto passiva, que ambas encontram-se conectadas. Desta forma diz que é na ‘santidade e inviolabilidade’ da vida humana, que mesmo aquele que já perdeu a consciência merece tê-la considerada e respeitada.[14]
O próprio Dworkin, acaba reportando-se direta e expressamente à doutrina de Kant, quando relembra que o ser humano não poderá jamais ser tratado como objeto, como mero instrumento para realização dos fins alheios.[15]
Com efeito, Kant refere expressamente que o Homem constitui um fim em si mesmo e não pode servir ‘simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade’. [16]
A positivação do princípio da dignidade da pessoa humana é, como habitualmente lembrado, relativamente recente, ainda mais em se considerando as origens remotas a que pode ser reconduzida a noção de dignidade. Apenas ao longo do século XX e, ressalvada uma ou outra exceção, tão-somente a partir da Segunda Guerra Mundial, a dignidade da pessoa humana passou a ser reconhecida expressamente nas Constituições, notadamente após ter sido consagrada pela Declaração Universal da ONU de 1948.[17]
3. CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGO 5º, INCISO X
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.[18]
A nossa Constituição vigente, foi a primeira na história do constitucionalismo pátrio a prever um título próprio destinado aos princípios fundamentais.[19]
Os direitos fundamentais são, nessa sua dimensão natural, direitos absolutos, imutáveis e intemporais, inerentes à qualidade de homem de seus titulares, e constituem um núcleo restrito que se impõe a qualquer ordem jurídica.[20]
O Constituinte deixou transparecer de forma clara e inequívoca a sua intenção de outorgar aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda a ordem constitucional.[21]
A Constituição brasileira, em seu Artigo 5º, Inciso X, assegura o direito à intimidade como um dos mais relevantes, visto que, De Plácido e Silva, esclarece que: “intimidade, derivado do latim intimus, indica a qualidade ou caráter das coisas e dos fatos, que se mostram estreitamente ligados, ou das pessoas, que se mostram afetuosamente unidas pela estima”.[22] Sendo assim, o direito à intimidade enquadra-se no rol dos direitos da personalidade, que são essenciais para possibilitar a cada indivíduo uma vida digna.[23]
A vida privada abrange todos os aspectos que por qualquer razão o sujeito não deseja ver cair no domínio público; é aquilo que não deve ser objeto de direito à informação, nem da curiosidade da sociedade. Desenvolve-se fora da vista do grande público, perante um pequeno grupo de íntimos.[24]
A honra e a imagem que também são asseguradas pelo mesmo inciso, equivalem-se a virtude, o respeito que cada indivíduo é merecedor tanto no que se refere a sua figura como pessoa de direitos, quanto ao fato da reputação, como os demais o identificam no convívio social por suas atitudes e valores.
4. Princípio da Proporcionalidade
Os gregos já regravam seu comportamento pela idéia de ‘equilíbrio harmônico, expressa pelas noções de métron, o padrão do justo, belo e bom, e de hybris, a extravagância dessa medida, fonte de sofrimento’.[25]
A origem e o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade é inerente ao ser humano, pois está ligado à evolução dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, verificado a partir do surgimento do Estado de Direito burguês na Europa.[26]
O período histórico que corresponde ao uso deste princípio de forma mais relevante é a partir do século XVIII, onde na Inglaterra se falava a respeito dos direitos naturais serem antecedentes ao aparecimento do Estado.
A Alemanha veio de forma pioneira enfocando este princípio na Constituição de Weimar, mas sua efetivação começou somente após a Segunda Guerra Mundial, quando os tribunais de forma ainda lenta, utilizaram-se da proporcionalidade para legitimar situações que nem sempre eram atendidas de forma justa pela positivação das leis.
O Princípio da Proporcionalidade em sentido amplo (princípio da proibição de excesso), nasceu ligado à necessidade de limitar o poder executivo no século XVIII, nas áreas administrativa e penal. No século XIX, passou a regular o principio geral de polícia.[27]
No século XX este princípio passou a povoar as Constituições Ocidentais e neste contexto trataremos aqui do seu sentido estrito, ou seja, o definiremos como “é o que busca a proporção entre o objeto perseguido pela norma e o ônus imposto ao atingido, resultado este que só pode ser obtido mediante a ponderação realizada no caso concreto”.[28]
O direito germânico através da contribuição jurisprudencial e doutrinária, conquistou uma posição mais objetiva que se resume nos três subprincípios da proporcionalidade. São eles: o subprincípios da conformidade ou da adequação de meios; subprincípio da exigibilidade ou da necessidade; subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito.
A conformidade ou adequação(pertinência ou aptidão) de meios é , segundo BRAGA (2004, p.86), o grau de eficácia do suposto meio e de sua contribuição ou aptidão para a satisfação do fim desejado. O ato precisa ser justificado pelos fins para a sua legítima adoção.
A exigibilidade ou necessidade é o emprego da menor desvantagem possível para a pessoa. A escolha do meio menos oneroso aos interesses constitucionalmente tutelados.
Em sentido estrito o princípio da proporcionalidade surge para solucionar o problema
de valores tutelados pela Constituição que estiverem em conflito.
“Levar-se-ão em conta, a menor desvantagem possível, a menos gravosa ou nociva para o alcance do fim legal. A exigibilidade é a busca do meio menos injurioso aos bens e valores constitucionalmente protegidos”.[29]
“Assim, a proporcionalidade em sentido estrito implica o máximo benefício com o mínimo de sacrifício”.[30]
O princípio da proporcionalidade trata aqui da idéia de justa medida, do equilíbrio, que está indissociavelmente ligada à idéia de justiça, mesmo que não se consiga de toda a forma contentar em absoluto as partes envolvidas na questão.
Conclusão
Corroborando com o Jusnaturalismo, neste trabalho, observo que, o princípio da dignidade da pessoa humana delimita a condição para a existência mínima de todo o ser humano. Entendo que, quando se criou consciência de que o homem não pode ser tratado como um objeto(Kant) e mais tarde (Dworkin), se criou também uma consciência de que o ser racional precisa de uma condição que o salvaguarde dos atos cometidos pelos demais, em situações conflitantes, onde se perdeu de forma parcial ou total o discernimento da vida.
A Constituição Federal vigente, conforme abordado anteriormente em seu Inciso X, trouxe como garantia fundamental a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurado indenização caso estes direitos tutelados pela Carta Máxima sejam violados. Mas, até que ponto este direitos são isentos de violação na prática de uma disciplina mínima de segurança?
Para responder esta questão usei o princípio da proporcionalidade. Quando se falou em eutanásia, como no caso ocorrido recentemente nos Estados Unidos, onde o marido alegava ser solicitação da esposa, ainda em vida, que se algum dia ela ficasse em estado vegetativo, que fosse de imediato utilizado este método; recentemente aprovada a Lei de Biosegurança, que possibilita experimentos com células-tronco embrionárias, ou seja, utiliza-se os embriões congelados por mais de três anos para que sirvam às pesquisas científicas com o intuito de proporcionar cura para males como o Diabetes, Parkson, Alzeimer, e tantos outros que poderão surgir através dos experimentos. Me questiono constantemente com o rumo que a nossa evolução ou ‘involução’ toma, e de carona leva a humanidade.
O direito à intimidade, a vida privada também foram muitas vezes questionados quando se precisou proteger um número maior de pessoas – quando por algum motivo os direitos coletivos se sobrepõe aos individuais, como por exemplo, sendo conhecido um mafioso, ou um grande traficante, em prol do bem comum, em prol do benefício que isto trará para a sociedade em questão, os direitos individuais destes, poderão em parte, serem violados (invasão da casa do acusado com mandado judicial durante o dia, invadindo desta forma sua privacidade, intimidade, etc.), mas como citou PINHEIRO (2004, p. 184) “ocorrerá um afastamento, em função de um direito axiologicamente mais relevante” [31]. O afastamento que é mencionado é o que se refere aos direitos individuais quanto sua privacidade, intimidade, etc., em benefício ao maior número possível de cidadãos.
Mediante o trabalho apresentado e o já estudado à respeito do tema em questão, acredito que se fazem necessários meios adicionais como os princípios para que possamos regulamentar situações atinentes a vida em sociedade. Penso ainda que, cada caso é um caso e se precisa agir com ressalva para não infringirmos, não só direitos e garantias, mas acima de tudo, a própria condição de humanos.
E para finalizar é mister considerar que no período em que se fala de dignidade, nada melhor do que se usar de todos os meios legais e coerentes que os operadores do direito dispõe para a aplicação da justiça, fugindo das amarras utópicas que serviram, até então, como camuflagem de situações nada dignas.
Bibliografia Consultada
BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: FTD S.A, 1996.
BRAGA, Valeschka e Silva. Princípio da Proporcionalidade & da Razoabilidade. Curitiba: Juruá, 2004.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, promulgada em 05 de outubro de 1988.
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 23ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
PINHEIRO, Fernanda Letícia Soares. Principio da Proibição da Prova Ilícita no Processo Civil. Curitiba: Juruá, 2004.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Na Constituição Federal de 1988. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. v. II. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
THEODORO, Marcelo Antônio. Direitos Fundamentais & sua Concretização. Curitiba: Juruá, 2002.
http://www.ambitojuridico.com.br/dpc0054 acesso em abril de 2005.
A concepção de que a dignidade é o resultado de um reconhecimento,
noção esta consubstanciada na máxima de que cada um deve ser pessoa e
respeitar os outros como pessoas.[10]
Notas
* Trabalho realizado na disciplina de Direito Constitucional I no período de março a julho de 2005.
[1] NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 23ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 368.
[2] NADER, Paulo. Op. cit., p. 366.
[3] Op. cit., p. 374.
[4] Op. cit., p.369, 370, 371.
[5] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Na Constituição Federal de 1988. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
[7] SARLET, Ingo Wolfgang. Op.Cit. p. 33.
[8] Op. Cit. p. 33.
[9] Op.Cit., p. 36 .
[10] Op.Cit., p.37.
[11] SARLET, Ingo Wolfgang. Op.Cit., p. 38.
[12] Op.Cit., p. 41.
[13] Op.Cit., p. 42.
[14] Op.Cit., p. 50.
[15] Op.Cit., p. 50.
[16] Op.Cit., p. 50, 51.
[17] SARLET, Ingo Wolfgang. Op. Cit. p. 62.
[18] CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, promulgada em 05 de outubro de 1988.
[19] SARLET, Ingo Wolfgang. Op. Cit. p. 61.
[20] THEODORO, Marcelo Antonio. Direitos Fundamentais & sua Concretização. Curitiba: Juruá, 2002.p. 25.
[21] SARLET, Ingo Wolfgang. Op. Cit. p. 61.
[22] SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. V. II. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.p. 509.
[23] PINHEIRO, Fernanda Letícia Soares. Princípio da Proibição da Prova Ilícita no Processo Civil. Curitiba: Juruá, 2004.
[24] PINHEIRO, Fernanda Letícia Soares. Op. Cit., p. 152, 153.
[25] BRAGA, Valeschka e Silva. Principio da Proporcionalidade & da Razoabilidade. Curitiba: Juruá, 2004. p. 69.
[26] http://www.ambitojuridico.com.br/dpc0054 acesso em abril de 2005.
[27] THEODORO, Marcelo Antonio. Op. Cit., .p. 60.
[28] Op. Cit., .p. 63.
[29] BRAGA, Valeschka e Silva. Op. Cit.
[30] Op. Cit., p. 89.
[31] PINHEIRO, Fernanda Letícia. Op. Cit. p. 184.
O Direito Revisto - Fev/13
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