Por Profa. Ana Cláudia Lucas
O
crime impossível – também chamado de tentativa inidônea, quase-crime ou
tentativa inadequada – é certamente um dos institutos penais que está,
quase sempre, no centro das discussões da doutrina e da jurisprudência.
Na sala de aula, esse objeto de estudo, não raro, desperta interesse e,
também, calorosos debates entre os alunos. Por isso mesmo, e acatando a
sugestão recebida, optei por escrever sobre o tema, focando-o,
particularmente, na tentativa criminosa que é frustrada em face da
presença de câmeras de vigilância ou de seguranças.
Comecemos pelo início.
O
crime impossível é instituto previsto no artigo 17 do Código Penal
Brasileiro, e sucede quando, por ineficácia absoluta do meio, ou por
absoluta impropriedade do objeto, o agente jamais lograria consumar o
crime e, por isso mesmo, a tentativa criminosa resta impunível, pela
adoção da teoria objetiva, adotada pela legislação penal brasileira.
Para
a teoria objetiva, não há no crime impossível os elementos objetivos da
tentativa criminosa, uma vez que o bem jurídico não corre perigo e, por
isso, o agente deve ser absolvido. Se examinarmos a conduta do agente
sob a perspectiva subjetiva, em que o importante é a sua intenção,
certamente o autor do fato deveria sofrer punição. Nestes termos a
punibilidade da tentativa exige a ação capaz de produzir o resultado
típico, pois que não basta a intenção do agente, sendo necessário que o
bem jurídico protegido corra risco ou perigo.
Pois
bem, há, portanto, duas modalidades diversas de crime impossível: na
primeira delas, o meio utilizado pelo agente é totalmente ineficaz,
indevido, inútil ou inidôneo à produção do resultado. Pode-se
exemplificar essa situação na hipótese de o agente, pretendendo matar a
vítima, fazer acionar o gatilho de arma descarregada; na segunda
modalidade, o objeto é totalmente impróprio, indevido, inadequado,
também, para a realização do delito pretendido. Ou seja, o objeto que se
pretende atacar com a conduta delituosa não existe. Exemplifique-se,
essa hipótese, com o disparo de arma de fogo para matar contra quem já
está morto.
Nesses
exemplos, observa-se que, muito embora exista a vontade do agente em
alcançar o resultado criminoso, do ponto de vista objetivo o bem
jurídico não está em risco ou perigo e, portanto, resta injustificada a
punição.
Para
efeito do nosso escrito, interessa a primeira hipótese, ou seja, quando
existe a ineficácia absoluta do meio, que sucede quando há tentativa de
furto em estabelecimento comercial sob proteção de câmeras de
vigilância ou de seguranças.
O
constante monitoramento do agente na tentativa do furto em local
provido de câmeras ou de segurança pessoal afasta a possibilidade de a
ação lograr êxito, pois o permanente cuidado impede que o crime atinja o
seu fim, ou seja, a consumação.
Nessa
hipótese, não há riscos para o bem jurídico, porque o objeto da ação
não é colocado em perigo, haja vista a constante vigilância. Como não
basta a intenção delituosa – que se diga, está presente em qualquer
etapa do iter criminis (preparação, execução e consumação) – a punição
não ocorrerá porque ela é fundada no início de execução que, no mínimo,
coloque em perigo, ou em risco, o objeto protegido pela norma
incriminadora.
Os
tribunais têm sido repetitivos nas decisões que envolvem condutas dessa
natureza, e nessas circunstâncias. Os Grupos de Câmaras Criminais do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul segue essa orientação: “Com
efeito, constitui entendimento consolidado que há crime impossível se a
acusada é acompanhada pelos seguranças do estabelecimento comercial,
desde o momento em que entrou na loja, a vigiar por meio de câmeras de
vídeo, observada colocando vários objetos na bolsa que trazia consigo,
sendo abordada somente após passar pelos caixas, essa vigilância tornou
impossível a consumação do delito, pela ineficácia absoluta do meio
utilizada. Rejeitada, por isso, a denúncia”. (Apel.Crime. 293226650.Rel.Saulo BrumLeal, j.26/10/94).
Outra
não é a orientação na decisão do 3º. Grupo de Câmaras Criminais do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, quando sustenta: “Vigilância
permanente. Se o agente está sendo observado o tempo todo pelo agente
de segurança do estabelecimento comercial que viu ele esconder os
objetos, tal vigilância tornou absolutamente ineficaz o meio por ele
utilizado furtar as mercadorias, impossibilidade do delito”(EI No. 70003558843, Rel. Sylvio B.Neto, j.15/03/02)
A Câmara Especial Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também já decidiu que “o
agente que, em estabelecimento comercial é mantido sob total controle
da vigilância, não comete furto tentado, pela absoluta ineficácia do
meio utilizado. Crime Impossível”. (Apelação Crime No. 70007292477, Rel.Mário Rocha Lopes Filho, j. 29/07/04).
Contudo,
para que não se compreenda pacífica a posição dos Tribunais quanto ao
reconhecimento do crime impossível em se tratando de estabelecimentos
providos de câmeras ou de segurança pessoal, há, por outro lado,
decisões mantendo a punição da tentativa nas hipóteses em que a
presença de câmeras não dá garantias bastantes e absolutas de que o
comércio não será alvo de furtos bem sucedidos.
Assim,
se há câmeras, mas não são monitoradas constantemente, ou se existem
seguranças, mas em número inferior ao necessário para o perfeito
monitoramento dos clientes, não há se falar em crime impossível e,
portanto, a responsabilidade pela tentativa ocorrerá, porque, como o
próprio artigo 17 salienta, a impropriedade do meio precisa ser
absoluta.
Pois
bem, espero ter podido ajudar na compreensão do instituto do crime
impossível, particularmente no que respeita ao furto tentado, frustrado
em face da presença de monitoramento constante.
O Direito Revisto - Fev/13
http://profeanaclaudialucas.blogspot.com.br/2009/10/crime-impossivel-ou-tentativa-inidonea.html
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