terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Crime impossível ou tentativa inidônea

Por Profa. Ana Cláudia Lucas

O crime impossível – também chamado de tentativa inidônea, quase-crime ou tentativa inadequada – é certamente um dos institutos penais que está, quase sempre, no centro das discussões da doutrina e da jurisprudência. Na sala de aula, esse objeto de estudo, não raro, desperta interesse e, também, calorosos debates entre os alunos. Por isso mesmo, e acatando a sugestão recebida, optei por escrever sobre o tema, focando-o, particularmente, na tentativa criminosa que é frustrada em face da presença de câmeras de vigilância ou de seguranças.  

Comecemos pelo início.

O crime impossível é instituto previsto no artigo 17 do Código Penal Brasileiro, e sucede quando, por ineficácia absoluta do meio, ou por absoluta impropriedade do objeto, o agente jamais lograria consumar o crime e, por isso mesmo, a tentativa criminosa resta impunível, pela adoção da teoria objetiva, adotada pela legislação penal brasileira.

Para a teoria objetiva, não há no crime impossível os elementos objetivos da tentativa criminosa, uma vez que o bem jurídico não corre perigo e, por isso, o agente deve ser absolvido. Se examinarmos a conduta do agente sob a perspectiva subjetiva, em que o importante é a sua intenção, certamente o autor do fato deveria sofrer punição. Nestes termos a punibilidade da tentativa exige a ação capaz de produzir o resultado típico, pois que não basta a intenção do agente, sendo necessário que o bem jurídico protegido corra risco ou perigo.  

Pois bem, há, portanto, duas modalidades diversas de crime impossível: na primeira delas, o meio utilizado pelo agente é totalmente ineficaz, indevido, inútil ou inidôneo à produção do resultado.  Pode-se exemplificar essa situação na hipótese de o agente, pretendendo matar a vítima, fazer acionar o gatilho de arma descarregada; na segunda modalidade, o objeto  é totalmente impróprio, indevido, inadequado, também, para a realização do delito pretendido. Ou seja, o objeto que se pretende atacar com a conduta delituosa não existe. Exemplifique-se, essa hipótese, com o disparo de arma de fogo para matar contra quem já está morto.

Nesses exemplos, observa-se que, muito embora exista a vontade do agente em alcançar o resultado criminoso, do ponto de vista objetivo o bem jurídico não está em risco ou perigo e, portanto, resta injustificada a punição.

Para efeito do nosso escrito, interessa a primeira hipótese, ou seja, quando existe a ineficácia absoluta do meio, que sucede quando há tentativa de furto em estabelecimento comercial sob proteção de câmeras de vigilância ou de seguranças.

O constante monitoramento do agente na tentativa do furto em local provido de câmeras ou de segurança pessoal afasta a possibilidade de a ação lograr êxito, pois o permanente cuidado impede que o crime atinja o seu fim, ou seja, a consumação.

Nessa hipótese, não há riscos para o bem jurídico, porque o objeto da ação não é colocado em perigo, haja vista a constante vigilância. Como não basta a intenção delituosa – que se diga, está presente em qualquer etapa do iter criminis (preparação, execução e consumação) – a punição não ocorrerá porque ela é fundada no início de execução que, no mínimo, coloque em perigo, ou em risco, o objeto protegido pela norma incriminadora.

Os tribunais têm sido repetitivos nas decisões que envolvem condutas dessa natureza, e nessas circunstâncias. Os Grupos de Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul segue essa orientação: “Com efeito, constitui entendimento consolidado que há crime impossível se a acusada é acompanhada pelos seguranças do estabelecimento comercial, desde o momento em que entrou na loja, a vigiar por meio de câmeras de vídeo, observada colocando vários objetos na bolsa que trazia consigo, sendo abordada somente após passar pelos caixas, essa vigilância tornou impossível a consumação do delito, pela ineficácia absoluta do meio utilizada. Rejeitada, por isso, a denúncia”. (Apel.Crime. 293226650.Rel.Saulo BrumLeal, j.26/10/94).

Outra não é a orientação na decisão do 3º. Grupo de Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, quando sustenta: “Vigilância permanente. Se o agente está sendo observado o tempo todo pelo agente de segurança do estabelecimento comercial que viu ele esconder os objetos, tal vigilância tornou absolutamente ineficaz o meio por ele utilizado furtar as mercadorias, impossibilidade do delito”(EI No. 70003558843, Rel. Sylvio B.Neto, j.15/03/02)

A Câmara Especial Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também já decidiu que “o agente que, em estabelecimento comercial é mantido sob total controle da vigilância, não comete furto tentado, pela absoluta ineficácia do meio utilizado. Crime Impossível”. (Apelação Crime No. 70007292477, Rel.Mário Rocha Lopes Filho, j. 29/07/04).

Contudo, para que não se compreenda pacífica a posição dos Tribunais quanto ao reconhecimento do crime impossível em se tratando de estabelecimentos providos de câmeras ou de segurança pessoal, há, por outro lado, decisões mantendo a punição da tentativa nas hipóteses em que  a presença de câmeras não dá garantias bastantes e absolutas de que o comércio não será alvo de furtos bem sucedidos.

Assim, se há câmeras, mas não são monitoradas constantemente, ou se existem seguranças, mas em número inferior ao necessário para o perfeito monitoramento dos clientes, não há se falar em crime impossível e, portanto, a responsabilidade pela tentativa ocorrerá, porque, como o próprio artigo 17 salienta, a impropriedade do meio precisa ser absoluta. 

Pois bem, espero ter podido ajudar na compreensão do instituto do crime impossível, particularmente no que respeita ao furto tentado, frustrado em face da presença de monitoramento constante.
 
O Direito Revisto - Fev/13
http://profeanaclaudialucas.blogspot.com.br/2009/10/crime-impossivel-ou-tentativa-inidonea.html

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