Por Ana Cláudia Lucas
David Medina da Silva*
Em Zero Hora, edição de 04 de fevereiro de 2013
Os seres humanos são dotados de razão e capacidade de
ponderar as consequências de seus atos. Diante disso, a teoria finalista da
ação, estruturada por Hans Welzel e adotada pelo Código Penal brasileiro desde
1984, adota o "princípio da excepcionalidade do crime culposo",
dizendo que ninguém será punido por culpa, salvo expressa disposição legal.
Assim, no Direito brasileiro, o crime doloso (intencional) é a regra, enquanto
o crime culposo (não intencional, praticado por descuido ou erro) é exceção.
Portanto, diante de um quadro urgente e que exija pronta
atuação, nenhum profissional do Direito minimamente informado pode trabalhar
com base na culpa, que é uma figura excepcional, pois é o conceito de dolo que
deve nortear os primeiros passos da análise técnico-jurídica, conforme
estabelece o paradigma finalista, exceto se a culpa for desde logo evidente.
No trágico episódio de Santa Maria, com centenas de mortes
ocorridas num ambiente totalmente desprovido de segurança em relação às
práticas incendiárias, está correta a atuação preliminar dos profissionais
tratando o fato como doloso. Não há nisso qualquer prejulgamento, mas um
critério técnico baseado na teoria que orienta a aplicação da lei brasileira e
na jurisprudência do STF e do STJ, segundo a qual o dolo deve ser verificado a
partir das circunstâncias do fato. Os dados objetivos até agora apurados trazem
circunstâncias indicativas de que o risco de incêndio existia e, mesmo não
tendo sido desejado, pode ter sido aceito pelos responsáveis, o que conforta a
tese de dolo eventual, embora não tenha, por ora, caráter definitivo.
Tampouco se deve, nesta oportunidade, aprofundar a
costumeira discussão sobre as espécies de dolo e culpa, já que o consagrado
princípio "in dubio pro reo" não se aplica a esta fase de
investigação. Neste momento inicial, vige o princípio "in dubio pro
societate", ou seja, as incertezas operam em favor da sociedade, em
especial das vítimas e daqueles que pranteiam seus entes queridos
repentinamente arrancados da vida.
*Promotor de Justiça e professor de Direito
Publicado em Zero Hora, edição de 04 de fevereiro de 2013
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