Por Rosalice Fidalgo Pinheiro - Jornal Gazeta do Povo
No
dia 15 de março comemora-se o dia do consumidor. Data instituída pelo
Presidente John Kennedy, dos Estados Unidos, em 1962, que passou a
integrar, em 1985, as diretrizes das Nações Unidas, alcançando
reconhecimento internacional. Esta data convida-nos a uma reflexão
jurídica: a suficiência da tutela dos direitos fundamentais do
consumidor no cenário jurídico nacional.
Nos últimos 22 anos de vigência da Lei 8.078/90, uma discussão
infindável tomou conta dos tribunais brasileiros. Finalistas e
maximalistas moveram-se nos foros do STJ, consagrando o “maximalismo
atenuado” e o “finalismo aprofundado”, para traçar o sentido da
expressão “destinatário final” (artigo 2º).
Essa discussão traz consigo o acesso ao “foro privilegiado do sujeito
de direito”, o que rende à categoria do consumidor uma perspectiva
essencialmente patrimonial, restando como uma posição contratual a ser
identificada no mercado. Desse modo, pensar em direitos fundamentais do
consumidor seria paradoxal, pois se estaria a tutelar a pessoa humana.
Tal paradoxo logo se desfaz ao se identificar a passagem de uma
subjetividade abstrata para uma subjetividade concreta, no
reconhecimento da pessoa e seus direitos fundamentais. As codificações
modernas revestiram todos os homens da categoria de sujeito de direito,
delineando-se a cidadania como fator de igualdade formal. Nesse
contexto, leis especiais passaram a tutelar grupos da sociedade marcados
pela vulnerabilidade, em busca de uma igualdade substancial.
Na esteira desse movimento, os artigos 5º, XXXII, e 170, V, da
Constituição Federal, fazem da defesa do consumidor um direito
fundamental, que deve presidir a leitura das relações de consumo.
Valendo-se desse imperativo constitucional, o Código de Defesa do
Consumidor mostrou-se como mais avançado do que leis posteriormente
editadas, como o Código Civil de 2002. A partir dele, os tribunais
brasileiros empreenderam rupturas paradigmáticas, em temas como a boa fé
objetiva, contratos bancários e dano moral coletivo. Contudo, subsistem
lacunas que são objeto de alteração legislativa, no Senado Federal,
endereçada a uma comissão de juristas, presidida pelo ministro Antonio
Herman Benjamin.
Em oposição a esses projetos, levantam-se vozes como a de José
Geraldo Brito Filomeno, sustentando que o Código de Defesa do Consumidor
prescinde de alteração em face de (i) sua atualidade, (ii) seu caráter
principiológico, multi e interdisciplinar, (iii) a necessidade de uma
atuação mais incisiva por parte dos operadores do direito, (vi) a
inconveniência de uma regulamentação parcial do comércio eletrônico e
(v) o temor de retrocesso das garantias já conquistadas em defesa do
consumidor.
Tais críticas podem ser confrontadas por uma análise preliminar dos
projetos de lei. O Projeto de Lei nº 281/2012 busca proteger o
consumidor em face de uma renovada vulnerabilidade, idealizada pelo
avanço tecnológico no comércio eletrônico. Atenta-se para a segurança
das transações, protegendo-se o poder de autodeterminação e a
privacidade dos dados pessoais. Trata-se de proteger direitos
fundamentais como a liberdade de expressão, informação e privacidade do
consumidor.
O Projeto de Lei nº 283/2012 introduz no Código de Defesa do
Consumidor normas de prevenção e conciliação nos casos de
superendividamento. A diretriz do mínimo existencial fundamenta essa
proteção: busca-se promover o acesso da pessoa física ao crédito
responsável e à educação responsável do consumidor. Os princípios da boa
fé, da função social do crédito e da dignidade da pessoa humana,
regulam o direito à informação, publicidade, intermediação e oferta do
crédito aos consumidores. Valendo-se da experiência de alguns tribunais
brasileiros, a conciliação entre o consumidor superendividado e seus
credores, prevê a elaboração de um plano de pagamento, permitindo o
retorno do devedor ao mercado de consumo.
A tutela processual coletiva introduz modificações no artigo 81 e
seguintes do Código de Defesa do Consumidor, com vistas a aperfeiçoar o
acesso do consumidor à justiça. O Projeto de Lei nº 282/2012 estimula a
utilização de meios consensuais de solução de controvérsias, e valoriza
as ações coletivas. Desse modo, coloca-se em destaque o direito
fundamental à tutela jurisdicional efetiva.
Tais projetos promovem os direitos fundamentais e a inclusão social
de pessoas que ficaram à margem de um “foro privilegiado do sujeito de
direito”, protegendo-se a pessoa humana. Eis o que o consumidor tem para
comemorar no seu dia: o reconhecimento como sujeito de direito. Mas
permanece uma indagação: trata-se da tutela de sua posição jurídica no
mercado ou como pessoa humana?
Rosalice Fidalgo Pinheiro, advogada, é doutora em Direito das
Relações Sociais, professora do Programa de Mestrado em Direitos
Fundamentais e Democracia das Faculdades Integradas do Brasil e
professora de Direito Civil na UFPR.
O Direito Revisto - Mar/13
http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/artigos/conteudo.phtml?tl=1&id=1353326&tit=O-Dia-do-Consumidor-e-a-tutela-de-seus-direitos-fundamentais
Imagem: Google

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