Por Víviane Nóbrega Maldonado
Um quarto de século é tempo mais do que suficiente para que os
princípios constitucionais tenham, em definitivo, passado a integrar o
cotidiano e o consciente das pessoas. Trata-se de um quadro bom e de um
caminho sem volta. Basta ver que qualquer cidadão, hoje em dia, é
plenamente capaz de opinar sobre direitos e garantias fundamentais com a
mesma desenvoltura com que comenta, em uma roda de amigos, uma partida
de futebol.
Todos possuem, a esta altura do amadurecimento democrático, uma ideia
bastante clara sobre o direito à vida, à liberdade, à igualdade e à
inviolabilidade de sua intimidade, honra, vida privada e imagem, o que
se menciona em caráter não exaustivo. E se tal panorama já não
decorresse do aspecto atinente à maturidade da Carta, não é possível
ignorar, em outra ponta, que a informação, como um todo, atualmente
encontra-se disponibilizada em sua potência máxima a maciça parcela da
população.
Nesta chamada Sociedade da Informação, qualquer pessoa pode ser o
portador de uma mensagem. Mas continua sendo a Imprensa, em suas
diversas formas e plataformas, o principal arauto da comunicação. E
tamanha é sua importância e tão relevante o seu papel que a Constituição
Federal cuidou de dedicar um capítulo inteiro a esta atividade, no qual
se materializaram amplas garantias à liberdade de seu exercício, como
se extrai do caput do art. 220 e dos dois primeiros parágrafos do dispositivo.
Infere-se dali que a censura não se sustenta em nenhuma circunstância
e que a distribuição de conteúdo se dá sob os critérios do próprio
veículo e sem nenhuma interferência estatal. Esta é, pois, a essência da
normatização constitucional a propósito do tema e a qual consagra, de
maneira abrangente, a liberdade da imprensa, que, por sua vez, encerra o
direito de informar.
Se é louvável o posicionamento do legislador constituinte quanto à
garantia do pleno direito de informar, há que se reconhecer que faltou a
correspondente proteção ao destinatário deste vetor, na medida em que
não se resguardou, com a mesma amplitude, o direito de ser informado,
aqui entendido em sentido abrangente. A garantia de acesso à informação
prevista no inciso XIV do art. 5º. não resolve este aspecto.
Embora não tenha cunhado o termo “marketplace of ideas”, John Stuart Mill, em sua famosa obra On Liberty,
trouxe a questão a lume no longínquo ano de 1859. Seis décadas depois, a
metáfora foi novamente invocada por Oliver Wendell Holmes (Abrahms v.
United States, 1919), sendo certo que, apenas em 1969, por ocasião do
famoso caso Red Lion Broadcasting Co v. FCC, a Suprema Corte
Norte-Americana consolidou a concepção do “livre mercado de ideias”.
A imprensa livre é algo digno de orgulho. A blogueira cubana que o
diga. Mas há que se pensar sobre o outro lado da questão de modo a
indagar se a existência de interferência estatal é ocorrência nefasta ou
atuação necessária para o correto equilíbrio das forças.
Há perguntas a serem respondidas. Em que medida a concentração da
informação nas mãos de poderosos veículos de mídia é capaz de produzir
um efeito silenciador sobre aqueles de menor expressão? É legítimo que
os meios de comunicação tendam a priorizar certas pautas em detrimento
de outras de modo a atender interesses pessoais, políticos ou
econômicos? O viés de um determinado e importante agente de informação
possui o poder de minimizar a diversidade de opiniões? A ausência de
regulação estatal fomenta ou elimina o livre mercado de ideias? O
consumidor da informação é capaz, por si só, de buscar e de encontrar a
informação livre e não comprometida? A adoção da conhecida “fairness
doctrine”, que demanda a distribuição obrigatória de pontos de vista
contrastantes e de inserção de discussão de temas polêmicos, é aceitável
em termos constitucionais?
Tais questões são complicadíssimas e não tenho a menor pretensão de
respondê-las nestas breves linhas. Apenas trago à baila o fato de que,
examinando-se a questão como um todo, há que se atrelar o “direito de
informar” ao “direito de ser informado”, assim entendido o direito de
ser ampla e corretamente informado. Porque se o direito de informar não
for cumprido em consonância com este conceito maior, a liberdade do
receptor da informação estará seriamente comprometida. E se esta
liberdade mostrar-se comprometida, os parâmetros constitucionais não
estarão sendo corretamente atendidos.
Meses atrás, li um artigo na internet que bem expressava o nó górdio
da questão. O texto não estava assinado, de modo que fico impedida de
fazer a referência a seu autor. De todo modo, pela adequação à
discussão, reproduzo aqui um pequeno trecho, no idioma original:
“Information is power. If you can control information, you can control
people. If you can control people, they can’t be free”.
Ficam, portanto, o convite à reflexão e o desafio à solução deste impasse.
__________
VIVIANE NÓBREGA MALDONADO é
juíza de Direito em São Paulo e mestranda em LLM – Master of
Comparative Law pela Cumberland School of Law – Samford University
(USA).
Foto: Jason Michael/Flickr.
O Direito Revisto - Mar/13
http://www.osconstitucionalistas.com.br/o-paradoxo-da-liberdade-de-informacao
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