Por Marcos da Costa - Presidente da OAB-SP
Poucos
instrumentos jurídicos no país desempenharam papel tão relevante para o
fortalecimento do Estado Democrático de Direito como o habeas corpus.
Diante de uma Justiça morosa, a celeridade do chamado “remédio heroico”
vem servindo de indispensável lenitivo para os desmandos e
arbitrariedades praticados por agentes públicos na persecução penal. No
entanto, apesar da sua incontestável importância para a preservação dos
direitos e garantias individuais, à guisa de suposta banalização e com o
propósito de aliviar os tribunais superiores abarrotados de habeas corpus impetrados
pelas mais diversas razões, o instituto vem sofrendo seguidas
tentativas de restrição de seu regular manejo, conforme previsto na
Constituição Federal.
Primeiro foi a Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal, que passou a impedir que fosse impetrado habeas corpus
na Suprema Corte para superar negativa de liminar de Tribunal inferior.
Depois, a Comissão que redigiu o anteprojeto de reforma do Código de
Processo Penal pretendeu limitar o uso de habeas corpus, o que foi rejeitado graças ao firme posicionamento contrário da OAB.
Agora, o habeas corpus está padecendo de novo revés. Recente decisão, relatada pelo ministro Marco Aurélio, impede a impetração de um segundo habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, quando um primeiro HC
tiver sido rejeitado em Tribunal inferior. Esse entendimento passou a
ser imediatamente adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, de maneira
que o cidadão atingido nos seus direitos fundamentais terá de esperar o
julgamento de um simples recurso, entre tantos que demoram anos para
serem apreciados.
É
preciso lembrar que nos anos da ditadura militar, a Ordem dos Advogados
do Brasil, então presidida por Raymundo Faoro, atuou fortemente pela
distensão política. O Brasil caminhava sob o jugo do AI-5 que, em nome
da segurança nacional, mitigava todas as garantias constitucionais e
superlotava as dependências do DOI-CODI de antagonistas do regime,
episódios que pouco a pouco vão sendo elucidados pelas comissões da
verdade, inclusive aquela formada pela OAB São Paulo, que tem por
objetivo principal resgatar a atuação da advocacia paulista naquele
período. Faoro obteve a volta do habeas corpus, vitória que está
entre os movimentos mais expressivos da abertura democrática,
possibilitando, pela via judiciária, resguardar a vida e a liberdade de
presos políticos que, desvestidos de sua cidadania, estavam submetidos à
tortura.
O habeas corpus,
ao longo das últimas décadas, transformou-se em instrumento
indispensável ao exercício da defesa e qualquer restrição que a ele se
imponha, induvidosamente haverá de gerar injustiças e fazer campear a
ilegalidade. Não foi o seu uso que se banalizou, mas o que se tornou
constante foi o descumprimento dos direitos garantidos ao cidadão pela
Constituição Federal, no que ela serve de modelo para o resto do mundo.
Ademais, o grande número de habeas corpus concedidos nas
instâncias superiores encorajou os advogados a esgotarem esse meio de
salvaguardar os direitos de seus constituintes.
Por tudo isso, a OAB São Paulo está empenhada em preservar o habeas corpus
como instrumento fundamental de cidadania, em respeito ao devido
processo legal, em obediência à Lei e observância ao direito de defesa.
Marcos da Costa é advogado e presidente da OAB SP
O Direito Revisto - Mar/13
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