Por Antônio Pereira Diniz
Com o surgimento da lei 12.015/09 que trouxe uma reforma em relação ao título
VI “Dos Crimes contra a Dignidade Sexual”, entre outros destaques temos o art.
217-A que tipifica a conduta referente a prática da conjunção carnal ou outro
ato libidinoso com menor de 14 anos. O preceito secundário da norma penal
incriminadora se apresenta de 8 a 15 anos de reclusão. Crime considerado
hediondo.
Divergência se instaurou sobre o tema, a Lei desconsidera o consentimento da
vítima, criando uma presunção da violência, sendo que podemos elencar duas
posições sobre o tema. Estamos diante de uma elementar do tipo (faixa etária),
nesse contexto:
1ª) posição: a presunção é absoluta, ou seja, não admite prova em contrário,
bastando para tanto que se preencha as elementares do tipo independentemente da
análise do caso concreto. Uma interpretação positivista e distante de atual
realidade.
2ª) posição: a presunção é relativa, ou seja, admite-se prova em sentido
contrário e deve-se analisar as peculiaridades do caso concreto num viés
sociológico; o Direito Penal sendo interpretado de forma sistematizada com
demais ciências humanísticas. O legislador ao proibir a prática da relação
sexual aos menores de 14 anos de idade esqueceu que estamos em uma sociedade em
constante evolução, onde os adolescentes estão rodeados de informações e com
fácil acesso a todas elas.
É de suma importância analisarmos o capítulo cujo artigo foi inserido, devendo
ele exercer influência sobre os seus dispositivos. "Dos Crimes sexuais contra
vulnerável” que tem como bem jurídico protegido a dignidade sexual dos
indivíduos considerados vulneráveis. Para alguns autores a vulnerabilidade deve
ser compreendida de forma restrita tendo como essência a fragilidade e a
incapacidade física ou mental da vítima, na situação concreta, para consentir
com a prática do ato sexual.
Cabe observar que a pena passou a ser mais gravosa, e se admitirmos o primeiro
entendimento poderíamos nos deparar com uma violação ao princípio da
proporcionalidade e da razoabilidade, p.ex., não sendo razoável nem
proporcional um namorado de uma adolescente menor de 14 anos, mantendo com ela
relação sexual consentida e ter como pena mínima de 8 (oito) anos de reclusão
caso seja condenado pelo crime de estupro de vulnerável, crime com pena mais
alta que o de furto o roubo e o homicídio.
Nesta linha mais sociológica e menos positivista já entendeu o Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul (Nº 70044569705. 2011/CRIME):
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL.
RELAÇÃO DE NAMORO ENTRE VÍTIMA E RÉU. RELATIVIZAÇÃO DO CONCEITO DE
VULNERABILIDADE. ABSOLVIÇÃO MANTIDA, POR FUNDAMENTO DIVERSO.
Os elementos de convicção constantes dos autos demonstram que a vítima (com 12
anos de idade) e o denunciado (com 22 anos de idade) mantiveram relacionamento
amoroso e sexual por determinado período. Tal conduta, em tese, subsume-se ao
disposto no art. 217-A do Código Penal. No entanto, a vulnerabilidade da vítima
não pode ser entendida de forma absoluta simplesmente pelo critério etário – o
que configuraria hipótese de responsabilidade objetiva –, devendo ser mensurada
em cada caso trazido à apreciação do Poder Judiciário, à vista de suas
particularidades. Afigura-se factível, assim, sua relativização nos episódios envolvendo adolescentes.Na hipótese dos autos, a
prova angariada revela que as relações ocorreram de forma voluntária e consentida,
fruto de aliança afetiva. Aponta também que a ofendida apresentava certa
experiência em assuntos sexuais. A análise conjunta de tais peculiaridades
permite a relativização de sua vulnerabilidade. Como consequência, a conduta
descrita na inicial acusatória não se amolda a qualquer previsão típica,
impondo-se a absolvição do réu com base no art. 386, III, do Código de Processo
Penal (fundamento diverso ao constante da sentença). APELAÇÃO DESPROVIDA.
Presunção de violência contra menor de 14 anos em estupro é relativa
Para a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a presunção de
violência no crime de estupro tem caráter relativo e pode ser afastada diante
da realidade concreta. A decisão diz respeito ao artigo 224 do Código Penal
(CP), revogado em 2009.
Segundo a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, não se pode
considerar crime o ato que não viola o bem jurídico tutelado – no caso, a
liberdade sexual. Isso porque as menores a que se referia o processo julgado se
prostituíam havia tempos quando do suposto crime.
Dizia o dispositivo vigente à época dos fatos que “presume-se a violência se a
vítima não é maior de catorze anos”. No caso analisado, o réu era acusado de
ter praticado estupro contra três menores, todas de 12 anos. Mas tanto o
magistrado quanto o tribunal local o inocentaram, porque as garotas “já se
dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data”.
Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a própria mãe de uma das
supostas vítimas afirmara em juízo que a filha “enforcava” aulas e ficava na
praça com as demais para fazer programas com homens em troca de dinheiro.
“A prova trazida aos autos demonstra, fartamente, que as vítimas, à época dos
fatos, lamentavelmente, já estavam longe de serem inocentes, ingênuas,
inconscientes e desinformadas a respeito do sexo. Embora imoral e reprovável a
conduta praticada pelo réu, não restaram configurados os tipos penais pelos
quais foi denunciado”, afirmou o acórdão do TJSP, que manteve a sentença
absolutória.
Divergência
A Quinta Turma do STJ, porém, reverteu o entendimento local, decidindo pelo
caráter absoluto da presunção de violência no estupro praticado contra menor de
14 anos. A decisão levou a defesa a apresentar embargos de divergência à
Terceira Seção, que alterou a jurisprudência anterior do Tribunal para
reconhecer a relatividade da presunção de violência na hipótese dos autos.
Segundo a ministra Maria Thereza, a Quinta Turma entendia que a presunção era
absoluta, ao passo que a Sexta considerava ser relativa. Diante da alteração
significativa de composição da Seção, era necessário rever a jurisprudência.
Por maioria, vencidos os ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e Sebastião Reis
Júnior, a Seção entendeu por fixar a relatividade da presunção de violência
prevista na redação anterior do CP.
Relatividade
Para a relatora, apesar de buscar a proteção do ente mais desfavorecido, o
magistrado não pode ignorar situações nas quais o caso concreto não se insere
no tipo penal. “Não me parece juridicamente defensável continuar preconizando a
ideia da presunção absoluta em fatos como os tais se a própria natureza das
coisas afasta o injusto da conduta do acusado”, afirmou.
“O direito não é estático, devendo, portanto, se amoldar às mudanças sociais,
ponderando-as, inclusive e principalmente, no caso em debate, pois a educação
sexual dos jovens certamente não é igual, haja vista as diferenças sociais e
culturais encontradas em um país de dimensões continentais”, completou.
“Com efeito, não se pode considerar crime fato que não tenha violado,
verdadeiramente, o bem jurídico tutelado – a liberdade sexual –, haja vista
constar dos autos que as menores já se prostituíam havia algum tempo”, concluiu
a relatora.
O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.
Portanto, seguimos esta linha de entendimento, pois não podemos mais nos render
ao Direito Penal Simbólico afastado da realidade e com intuito único de
acalentar ilusoriamente a opinião pública.
O Direito Revisto –
Mai/13
Publicado originalmente
em: Dicas para Concurso Público e Exame da OAB
Imagem: Google
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