terça-feira, 3 de março de 2015

Ação Penal e Estupro de Vulnerável: Uma distinção importante



Por Prof. Aury Lopes


Desde a promulgação da Lei n. 12.015/2009, explicamos na obra "Direito Processual Penal" que a regra passou a ser a ação penal pública condicionada à representação, abrindo-se a possibilidade do ajuizamento de ação penal pública incondicionada nos casos envolvendo menores de 14 anos, ou pessoas em situação de vulnerabilidade (ver art. 225 CP).

Essa vulnerabilidade, no entanto, não se confunde com as hipóteses de incidência do crime do art. 217-A do CP (estupro de vulnerável), uma vez que a incapacidade hábil a fazer incidir o delito pode ser transitória, e a vítima não mais se encontrar em situação de vulnerabilidade no momento da manifestação do desejo de representar (estava vulnerável, mas não é pessoa vulnerável).

Daí porque, é crucial compreender que a vulnerabilidade tem duas dimensões:

a) Vulnerabilidade penal: é a dimensão penal, do tipo, que aumenta o juízo de desvalor da conduta e se justifica diante da necessidade de punir mais severamente quem se aproveita daquela situação de hipossuficiência, da incapacidade da vítima, para praticar o crime. Pode, assim, ser uma vulnerabilidade transitória ou permanente, não importando a questão temporal, mas apenas a vulnerabilidade no momento do crime.

b) Vulnerabilidade processual: atende a critérios de caráter processual, onde o referencial é a ação penal e as condições da ação. O ponto crucial é a capacidade ou incapacidade postulatória, para o processo, para fazer ou não a representação no prazo de 6 meses. Deve transcender o momento do crime, não podendo ser transitória, porque tem que se prolongar até o momento do exercício da condição de procedibilidade.

Portanto uma vítima embriagada pode “estar vulnerável” para o direito penal (e a incidência do tipo mais grave) e “não ser vulnerável” para o processo penal. São dimensões diferentes que atendem a critérios e necessidades distintos. A vítima, após passar o estado de embriaguez (que é temporário), poderá exercer o direito de representação no prazo legal. Se não o fizer, haverá decadência, pois a ação penal é pública condicionada a representação. Isso porque o art. 225, parágrafo único, do CP (que autoriza ação penal pública incondicionada) não abrange a pessoa que ocasional e temporariamente se encontra nessa situação.

Neste sentido vem essa decisão do STJ e, antes dela, acertada a decisão do TJRS nos Embargos Infringentes n. 70054018346, 4º Grupo, j. 23/08/2013, que fez a distinção entre vulnerabilidade permanente e transitória para fins processuais penais e definição da natureza da ação penal.



O Direito Revisto – Mar/15
Publicado originalmente em: Prof. Aury Lopes
Imagem: Google

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