Por Maria Berenice Dias
A dívida de alimentos é uma das raras hipóteses que a Constituição Federal admite prisão por dívida.[1]
Assim, nem que fosse por puro temor, essa deveria ser a obrigação com
menor índice de inadimplência. Mas quem deve, sabe que não há nada
melhor do que não pagar alimentos. E o credor sabe do verdadeiro
calvário que é a cobrança de crédito alimentar.
É tal o
desencontro entre a Lei de Alimentos e o Código de Processo Civil,
quando se fala em execução de alimentos que nem é possível dizer qual é o
prazo da prisão a que se sujeita o devedor. A Lei 5.478, que data do
ano de 1968,[2] autoriza a prisão do devedor por até sessenta dias. Já o Código de Processo Civil, que vigora desde 1973,[3]
prevê a prisão pelo prazo de um a três meses. Por se tratar de dívida
considerada civil, sob a justificativa de o devedor precisar trabalhar
para atender a encargo que deixou de pagar – mesmo estando trabalhando
–, a tendência é admitir o cumprimento da pena em regime aberto ou até
em prisão domiciliar.
Não bastasse isso, há
outro detalhe que merece ser chamado, no mínimo, de insólito. Quanto
mais o devedor deve, mais chance tem de não ir para a cadeia. A mora
produz uma alquimia: transforma os alimentos. A dívida faz com que os
alimentos mudem de natureza. Ainda que a Constituição Federal[4]
reconheça o direito à alimentação como um direito social, com o passar
do tempo os alimentos deixam de ser alimentos. Será que apodrecem?
Este não senso, não está na lei. Mas, em face da absoluta dificuldade dos juízes de decretar a prisão do devedor, o STJ[5]
sumulou a orientação adotada pela jurisprudência majoritária. Limitou a
execução pelo rito da coação pessoal a três prestações. Assim, quem
deve mais de três meses de pensão alimentícia simplesmente está livre da
prisão, não vai para a cadeia.
Há mais. A dívida
alimentar também não gera – ou não gerava – consequências de outra
ordem, como acontece com toda e qualquer dívida. Ou seja, se alguém não
paga a luz, a energia é cortada. Caso deixe de honrar dívida perante uma
instituição financeira, se sujeita ao pagamento de multa, juros sobre
juros, comissão de permanência e toda a sorte de taxas e tarifas. Isso
tudo sem contar com a inscrição de seu nome no cadastro de devedores. E
lá se vai qualquer chance de obter crédito seja para o que for.
Felizmente a Justiça
começou a atentar a esta realidade, autorizando a inscrição do
alimentante nos cadastros da SERASA e do SPC bem como a penhora de conta
vinculada ao FGTS.
Ao certo
quaisquer dessas providências são mais eficazes do que o próprio
aprisionamento. Afinal, nada justifica que o devedor armazene um crédito
para quando se aposentar, atingir 70 anos ou quiser adquirir casa
própria, enquanto alguém, sem condições de prover o próprio sustenta,
fica sem receber o que lhe é devido. Nessa linha a orientação do STJ
que, invocando os princípios da proporcionalidade e da dignidade da
pessoa humana, admite a possibilidade da penhora e levantamento do saldo
e não simplesmente o bloqueio de valores.
Mister realizar uma
ponderação de princípios, sobrepondo o direito do credor à resistência
do devedor. Quando a dívida é de pais para com os filhos, tal postura
configura, inclusive, crime de abandono.
Por isso a falta
de previsão legal não pode impedir que a justiça imprima mais eficácia
às suas decisões. A justificativa transborda de coragem e coerência:
como é permitido o mais, ou seja, a prisão do devedor, antes disso é
possível a inscrição do seu nome no cadastro de inadimplentes.
Esta é a nova
postura do magistrado cada vez mais comprometido com a efetividade da
Justiça. Não há como esperar pelo legislador para assegurar, a quem bate
às portas do Poder Judiciário, uma resposta que atenda ao que a
Constituição Federal promete a todos: a inviolabilidade do direito à
vida.
Revendo Direito - Jan/13
Via Justiça em Foco - Entendendo Direito
Fonte: http://justicaemfoco.com.br/?pg=desc-noticias&id=66590#.UPhVpTH6Ibc.facebook
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