Noções gerais
Inquérito policial é a denominação que se dá ao
procedimento investigatório, de natureza inquisitiva e administrativa,
instaurado e presidido por Delegado de Polícia, destinado a reunir os elementos
de prova de demonstrem a ocorrência de prática de infração penal e sua autoria.
Nos crimes de ação pública, o inquérito policial é
instaurado de ofício ou mediante requisição da autoridade judiciária ou do
Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade
para representá-lo. Neste último caso, o requerimento deverá conter, sempre que
possível (artigo 5º do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código
de Processo Penal):
a) a narração do fato, com todas as circunstâncias;
b) a individualização do indiciado ou seus sinais
característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da
infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer;
c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua
profissão e residência.
Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da
existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou
por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a
procedência das informações, mandará instaurar inquérito.
Como em todo Estado Democrático de Direito, nossa Constituição Federal, que expressamente alberga
esse princípio em seu artigo 1°, assegura irrestrito respeito aos direitos e
garantias individuais que prescreve, valendo aqui destacar o princípio da
dignidade da pessoa humana, que busca impedir a transformação do ser humano,
sujeito de direitos, em mero objeto da ação estatal.
Por isso não se pode confundir Inquérito
sigiloso e inquérito secreto. Este último - e aqui a referência se
faz a qualquer procedimento investigatório, seja ele de caráter criminal ou
civil - é intolerável num Estado Democrático de Direito. Investigação secreta
ou clandestina configura grave ofensa ao princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana (Constituição Federal, artigo 1º, inciso III).
Excepcionalmente, admite-se a decretação de sigilo
relativamente a determinados documentos, informações ou mesmo em relação a todo
o inquérito. Mas isto há de ser feito de forma fundamentada. Pois a decretação
de sigilo, sabe-se, tem por escopo proteger a intimidade e a imagem das pessoas
- aqui sem dúvida alguma incluído o investigado - ou quando absolutamente
necessário para o sucesso da investigação.
De qualquer modo, o sigilo jamais pode ser imposto
ao investigado. Sigiloso ou não o inquérito policial, o investigado sempre
poderá ter acesso irrestrito às provas já produzidas e incorporadas aos autos.
Fora daí, se não respeitadas essas regras, teremos não um inquérito sigiloso,
mas sim um inquérito secreto, clandestino, à margem do Direito.
Apesar da obviedade do direito, magistrados e
demais autoridades, inclusive tribunais superiores, como o Superior Tribunal de
Justiça ("O Tribunal da Cidadania"), tem sistematicamente
negado o acesso das pessoas investigadas, diretamente ou por seus advogados,
aos autos de procedimentos investigatórios. Confira-se, a propósito, as ordens
concedidas pelo Supremo Tribunal Federal nos seguintes Habeas Corpus e Mandado de Segurança:
·
MS 23836,
DJ de 18/12/2000 - autoridade coatora o Presidente da Comissão Parlamentar
de Inquérito instituída no Senado Federal (CPI do Futebol);
·
HC 86059,
DJ de 30/06/2005 - autoridade coatora o ministro José Arnaldo da Fonseca,
do Superior Tribunal de Justiça;
·
HC 87827,
DJ de 23/06/2006 - autoridade coatora o ministro Gilson Dipp, do
Superior Tribunal de Justiça;
·
HC 88190,
DJ de 06/10/2006 - autoridade coatora o ministro Hamilton Carvalhido, do
Superior Tribunal de Justiça;
·
HC 90232,
DJ de 02/03/2007 - autoridade coatora o ministro Arnaldo Esteves Lima,
do Superior Tribunal de Justiça.
Bem por isso, recentemente a Excelsa Corte editou a
Súmula Vinculante
n. 14: "É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso
amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento
investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam
respeito ao exercício do direito de defesa".
Não é incomum o surgimento de cartas anônimas
contendo denúncias e informações sobre fatos que, em tese, justificariam a
instauração de inquérito policial. No entanto, a Constituição Federal veda
expressamente o anonimato (artigo 5º, inciso IV).
A instauração de inquérito policial - e, de resto,
qualquer outro procedimento de caráter investigatório, civil ou criminal - com
base em mera carta anônima é ilegal e, mais que isso, atenta flagrantemente
contra direitos e garantias individuais.
Permite nossa Constituição a livre manifestação do
pensamento. Veda, entretanto, o anonimato, justamente para evitar o
"denuncismo" sem responsabilidade, e o início de investigações sem o
mínimo de indícios de veracidade ou elementos de prova.
Com efeito, simples denúncia apócrifa não constitui
elemento de prova, nem mesmo indiciária, mas mera notícia dirigida por pessoa
sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de suas informações, pois a
falta de identificação inviabiliza, inclusive, a sua responsabilização pela
prática de denunciação caluniosa (art. 339 do Código Penal).
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)
determinou o arquivamento de um procedimento criminal baseado em um e-mail
anônimo, que relatava crime de injúria contra um procurador de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro. Os ministros acompanharam, por unanimidade, o voto do
relator do Habeas Corpus (HC 95.838/RJ),
ministro Nilson Naves. Para definir a questão, o STJ considerou preceitos
constitucionais como a presunção da inocência, a dignidade da pessoa humana e o
princípio da ampla defesa.
Jurisprudência:
·
"Anonimato — Notícia de prática criminosa —
Persecução criminal — Impropriedade. Não serve à persecução criminal notícia de
prática criminosa sem identificação da autoria, consideradas a vedação
constitucional do anonimato e a necessidade de haver parâmetros próprios à
responsabilidade, nos campos cível e penal, de quem a implemente." (STF - HC 84.827, Rel. Min.
Marco Aurélio, julgamento em 7-8-07, DJ de 23-11-07).
·
"(...) entendo que um dos fundamentos que
afastam a possibilidade de utilização da denúncia anônima como ato formal de
instauração do procedimento investigatório reside, precisamente, como
demonstrado em meu voto, no inciso IV do art. 5º da Constituição da República.
Impende reafirmar, bem por isso, na linha do voto que venho de proferir, a
asserção de que os escritos anônimos não podem justificar, só por si, desde que
isoladamente considerados, a imediata instauração da persecutio criminis, eis
que peças apócrifas não podem ser incorporadas, formalmente, ao processo, salvo
quando tais documentos forem produzidos pelo acusado, ou, ainda, quando
constituírem, eles próprios, o corpo de delito (como sucede com bilhetes de
resgate no delito de extorsão mediante seqüestro, ou como ocorre com cartas que
evidenciem a prática de crimes contra a honra, ou que corporifiquem o delito de
ameaça ou que materializem o crimen falsi, p. ex.). Nada impede, contudo, que o
Poder Público (...) provocado por delação anônima — tal como ressaltado por
Nelson Hungria, na lição cuja passagem reproduzi em meu voto — adote medidas
informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, com
prudência e discrição, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude
penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos
nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal
instauração da persecutio criminis, mantendo-se, assim, completa desvinculação
desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas." (STF - Inq 1.957, Rel. Min.
Carlos Velloso, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 11-5-05, DJ de
11-11-05).
·
"Procedimento criminal (acusação anônima).
Anonimato (vedação). Incompatibilidade de normas (antinomia). Foro privilegiado
(prerrogativa de função). Denúncia apócrifa (investigação inconveniente). 1.
Requer o ordenamento jurídico brasileiro – e é bom que assim requeira – que
também o processo preliminar – preparatório da ação penal – inicie-se sem
mácula. 2. Se as investigações preliminares foram iniciadas a partir de
correspondência eletrônica anônima (e-mail), tiveram início, então, repletas de
nódoas, tratando-se, pois, de natimorta notícia. 3. Em nosso conjunto de regras
jurídicas, normas existem sobre sigilo, bem como sobre informação; enfim,
normas sobre segurança e normas sobre liberdade. 4. Havendo normas de opostas
inspirações ideológicas – antinomia de princípio –, a solução do conflito
(aparente) há de privilegiar a liberdade, porque a liberdade anda à frente dos outros
bens da vida, salvo à frente da própria vida. 5. Deve-se, todavia, distinguir
cada caso, de tal sorte que, em determinadas hipóteses, esteja a autoridade
policial, diante de notícia, autorizada a apurar eventual ocorrência de crime.
6. Tratando-se, como se trata, porém, de paciente que detém foro por
prerrogativa de função, ao admitir-se investigação calcada em denúncia
apócrifa, fragiliza-se não a pessoa, e sim a própria instituição à qual
pertence e, em última razão, o Estado democrático de direito. 7. A Turma
ratificou a liminar – de caráter unipessoal – e concedeu a ordem a fim de
determinar o arquivamento do procedimento criminal." (STJ - HC 95.838/RJ, Rel.
Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 26/02/2008, DJe 17/03/2008).
·
"3. Todo cidadão tem o direito de expressar
livremente suas opiniões, constituindo tal prerrogativa um dos pilares do
chamado Estado Democrático de Direito. Não se mostra, entretanto, razoável
eximi-lo de prestar contas por eventuais abusos praticados em razão do
irregular exercício desse direito. 4. Hipótese em que o informe requerido pelo
impetrante longe está de configurar situação de risco à segurança do Estado ou
à estabilidade da sociedade, de modo a tornar imprescindível a utilização da
regra constitucional exceptiva do sigilo da informação. 5. Não há como se
equiparar o anonimato do denunciante com o instituto da proteção à testemunha.
Esta tem cara, tem endereço, tem um nome a zelar, tem compromisso com a
verdade; o delator anônimo, ao contrário, pode se utilizar das facilidades
inerentes a essa condição para macular, leviana e irresponsavelmente, a
dignidade de possíveis desafetos, com o intuito de se promover ilicitamente. 6.
Arquivadas as denúncias, classificadas pela CGU na rubrica de "documentos
reservados", esvaziam-se também sob a perspectiva da Lei n. 8.159/91 e seu
decreto regulamentador os argumentos deduzidos pela autoridade coatora com o
propósito de justificar o indeferimento do pedido de informações de que tratam
os autos. 7. Segurança concedida". (STJ - MS 8.196/DF, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE
NORONHA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2006, DJ 12/02/2007 p. 216).
·
"Competência do Superior Tribunal
(originária). Notícia-Crime (delação anônima). Anonimato (vedação). Relator
(competência). 1. Compete ao Superior Tribunal processar e julgar,
originariamente, nos crimes comuns, entre outras pessoas, os membros dos
Tribunais de Contas dos Estados. 2. O ordenamento jurídico brasileiro,
inquestionavelmente, requer – e é bom que assim requeira – que também o
processo preliminar – preparatório da ação penal – inicie-se sem mácula. 3. Se
as investigações preliminares foram iniciadas a partir de correspondência
anônima, as aqui feitas tiveram início, então, repletas de nódoas, melhor
dizendo, nasceram mortas ou, tendo vindo à luz com sinais de vida, logo
morreram. 4. Cabe ao Ministério Público, entre outras funções, a defesa da
ordem jurídica, ordem que, entre nós, repele o anonimato (Constituição, art.
5º, IV). 5. Questão de ordem que, submetida pelo Relator à Corte Especial
(Regimento, art. 34, IV), foi pela Corte acolhida a fim de se determinar o
arquivamento dos autos. Votos vencidos". (STJ - QO na NC 280/TO, Rel. Ministro NILSON
NAVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/08/2004, DJ 05/09/2005 p. 194).
·
"INQUÉRITO POLICIAL. CARTA ANÔNIMA. O Superior
Tribunal de Justiça não pode ordenar a instauração de inquérito policial, a
respeito de autoridades sujeitas à sua jurisdição penal, com base em carta
anônima. Agravo regimental não provido". (STJ - AgRg no Inq 355/RJ, Rel. Ministro ARI
PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 17/03/2004, DJ 17/05/2004 p. 98).
Em sentido contrário:
·
"Ainda que com reservas, a denúncia anônima é
admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar
procedimentos de averiguação, como o inquérito policial, conforme contenham ou
não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as
devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado. Precedente do
STJ". (STJ -
HC 44.649/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ 8/10/07).
·
"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO
DE INQUÉRITO. PROCEDIMENTO INSTAURADO COM BASE EM INVESTIGAÇÃO DEFLAGRADA POR
NOTÍCIA ANÔNIMA DE CRIME. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO
EVIDENCIADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. 1.
Inexiste ilegalidade na instauração de inquérito com base em investigações
iniciadas por notícia anônima, eis que a autoridade policial tem o dever de
apurar a veracidade dos fatos alegados. (Inteligência do artigo 4º, § 3º CPP).
2. Do mesmo modo como no trancamento de uma ação penal, o trancamento do
inquérito policial também exige que a ausência de justa causa, a atipicidade da
conduta ou uma causa extintiva da punibilidade estejam evidentes, independente
de investigação probatória. 3. Se é a conduta típica e presumidamente atribuída
ao réu, havendo possibilidade de produção de mais provas, impõe-se a manutenção
do inquérito policial. 4. Ordem denegada." (STJ - HC 106.040/SP, Rel. Ministra JANE SILVA
(DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 26/08/2008, DJe
08/09/2008).
O Direito Revisto - Mar/13
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Saad Mazloum. Inquérito policial. WikiLegal, São Paulo. Disponível em: http://wikilegal.wiki.br/index.php?title=Inqu%C3%A9rito_policial&oldid=2749
Saad Mazloum. Inquérito policial. WikiLegal, São Paulo. Disponível em: http://wikilegal.wiki.br/index.php?title=Inqu%C3%A9rito_policial&oldid=2749

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