Por
Promotor Saad Mazloum
Noções
preliminares
A
Constituição Federal de 1988 elevou o direito a ampla defesa à categoria de
princípio constitucional, ao dispor em seu artigo 5o., inciso LV, que "aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes".
Cuida-se
de uma garantia constitucional. Por isso, o direito a ampla defesa deve ser
observado em todos os processos, sejam eles judiciais ou administrativos.
Mais do
que a simples possibilidade de manifestação no processo, o exercício da ampla
defesa pressupõe alguns direitos básicos, sem os quais aquela garantia não
passará de mero arremedo de defesa.
Assim, a
plena defesa pressupõe irrestrito acesso aos autos do processo - judicial ou
administrativo - e, sem exceção alguma, a todos os documentos e informações
nele contidos. É impraticável e mesmo difícil imaginar o exercício de qualquer
defesa sem o pleno conhecimento da acusação ou dos documentos sobre os quais
esta possa estar fundamentada.
Daí a
edição, pelo Supremo Tribunal Federal', da Súmula Vinculante n. 14: "É
direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos
elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório
realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao
exercício do direito de defesa".
Mas isto
só não basta. A defesa ampla, garantida pela Constituição Federal, pressupõe
também que esse pleno conhecimento das informações e documentos constantes do
processo seja viabilizado, sempre, com antecedência e tempo razoáveis para o
exercício do contraditório, outro princípio constitucional de igual relevância.
Igualmente,
a ampla defesa pressupõe a prévia ciência, em tempo razoável, dos atos que se
vão realizar, tornando possível fazer-se presente em todos os atos processuais,
audiências, inquirições de testemunhas, diligências, podendo deles participar,
questionar, argumentar, impugnar e recorrer, nos termos e na forma legal.
E como
consequência disso, o princípio constitucional da ampla defesa assegura o
direito de ver efetivamente apreciados pelo julgador os argumentos,
impugnações, questionamentos e recursos apresentados pela defesa. Neste
sentido, o voto lapidar do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal
Federal, no Mandado de Segurança n. 24268 / MG [1]:
"Não
é outra a avaliação do tema no direito constitucional comparado. Apreciando o
chamado 'Anspruch auf rechtliches Gehör' (pretensão à tutela jurídica) no
direito alemão, assinala o 'Bundesverfassungsgericht' que essa pretensão
envolve não só o direito de manifestação e o direito de informação sobre o
objeto do processo, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados
pelo órgão incumbido de julgar (Cf. decisão da Corte Constitucional alemã -
BVerfGE 70, 288-293; sobre o assunto, ver, também, Pieroth e Schlink,
Grundrechte - Staatsrecht II, Heidelberg, 1988, p. 281; Battis, Ulrich, Gusy,
Christoph, Einführung in das Staatsrecht, 3a. edição, Heidelberg, 1991, p.
363-364).
Daí
afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde
exatamente à garantia consagrada no art. 5º, LV, da Constituição, contém os
seguintes direitos:
1)
direito de informação ('Recht auf information'), que obriga o órgão julgador a
informar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos
deles constantes;
2)
direito de manifestação ('Recht auf Äusserung'), que assegura ao defendente a
possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos
fáticos e jurídicos constantes do processo;
3)
direito de ver seus argumentos considerados ('Recht auf Berücksichtigung'), que
exige do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo ('Aufnahmefähigkeit
un Aufnahmebereitschaft') para contemplar as razões apresentadas (Cf. Pieroth e
Schlink, Grundrechte -Staatsrecht II, Heidelberg, 1988, p. 281; Battis e Gusy,
Einführung in das Staatsrecht, Heidelberg, 1991, p. 363-364; Ver, também,
Dürig/Assmann, in: Maunz-Dürig, Grundgesetz-Kommentar, Art. 103, vol IV, n.
85-99).
Sobre o
direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador ('Recht auf
Berücksichtigung') que corresponde, obviamente, ao dever do juiz ou da
Administração de a eles conferir atenção ('Beachtenspflicht') pode-se afirmar
que envolve não só o dever de tomar conhecimento ('Kennitnisnahmepfilicht'),
como também o de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas
(Erwägungspfilicht) (Cf. Dürig/Assmann, in: Maunz-Dürig, Grundgesetz-Kommentar,
Art. 103, vol. IV, n. 97).
É da
obrigação de considerar as razões apresentadas que deriva o dever de
fundamentar as decisões (Decisão da Corte Constitucional -- BVerfGE 11, 218
(218); Cf. Dürig/Assmann, in: Maunz-Dürig, Grundgesetz-Kommentar, Art. 103,
vol. IV, n. 97)." (MS 24268 / MG - Mandado de Segurança - Relator p/ Acórdão
Min. Gilmar Mendes, Julgamento em 05-02-2004, DJ de 17-09-2004
PP-00053).
E como
dito anteriormente, a plena defesa aplica-se também aos processos
administrativos. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula
Vinculante n. 3, segundo a qual, “nos processos perante o Tribunal de
Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão
puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o
interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial
de aposentadoria, reforma e pensão”.
Referências
1 - ↑
Supremo Tribunal Federal. Íntegra do voto do ministro Gilmar Mendes no
Mandado de Segurança n. 24268 / MG . Supremo Tribunal Federal, DJ de 17 de
Setembro de 2004
O Direito
Revisto - Mar/13
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Saad
Mazloum.
Princípio da ampla defesa. WikiLegal, São Paulo. Disponível em:
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