sábado, 30 de março de 2013

Responsabilidade e Informação. Efeitos jurídicos das informações, conselhos ou recomendações nas relações entre particulares

Por Prof. João Aguirre

Pode nos explicar no que consiste o tema da nossa entrevista?
O tema de nossa entrevista consiste nos fundamentos da liberdade e do dever de informar, de dar conselhos ou recomendações, em seus diversos espectros, especialmente no que tange à responsabilidade pelos danos causados pela troca de informações nas relações entre particulares, que acabam por formar convicção do seu destinatário e que, por essa razão, possuam um potencial danoso efetivo.

Qual a delimitação que o senhor impõe para aplicabilidade no cenário jurídico?
A discussão acerca da informação, bem como do conselho e da recomendação, pode se alargar pelos mais diversos e distantes caminhos.
Em nossa opinião, nosso sistema dá guarida a uma responsabilidade pela confiança civil que decorre da violação desse dever ético de conduta, essencial às relações intersubjetivas, que impõe o dever de reparar os danos por ela causados.
Essa responsabilidade pela confiança decorre de um valor fundamental de nossa ordem jurídica, que se irradia por todas as relações de direito privado, ingressando no ordenamento através dos princípios, regras, cláusulas gerais e padrões que compõem o sistema aberto do direito privado brasileiro.

Na legislação quais são as normas que regulam o tema?
A ampla proteção do ethos da confiança, enquanto valor jurídico fundamental de nosso ordenamento, possui como fundamento a dignidade humana e o solidarismo social, objetivos da República e impostos a todos aqueles que atuem em nosso sistema, constituindo o postulado jurídico da obrigação de reparar os danos.

Em que momento a tutela jurídica se torna excessiva?
O recurso à confiança e à boa-fé objetiva não deve ser realizado de forma generalizante e sem nenhum critério, completamente afastado de nosso sistema jurídico, que possui como valores fundamentais a tutela da liberdade e da autonomia privada.
A necessária e cuidadosa ponderação entre esses princípios deve constituir o norte do operador do direito, a fim de preservar a harmonia do sistema, evitando-se a disseminação de decisões iníquas e buscando-se o ideal de construção de uma ordem jurídica justa e solidária.
Ao dever de informar corresponde o dever de manter-se informado, assim como não se deve ampliar o âmbito das ações ressarcitórias de forma generalizante, a fim de ver reparados todos e quaisquer danos sofridos no trato social, sob pena de engessar as relações de troca e de inviabilizar o desenvolvimento econômico e comercial de nossa sociedade, posto que o risco é inerente à vida em sociedade nos dias de hoje.
Por essa razão, entendemos que a tutela jurídica excessiva, pode significar uma ingerência indevida do Estado perante a autonomia privada, e o excesso de proteção pode gerar decisões iníquas e efeitos contrários ao esperado, como o engessamento das relações de troca e da circulação de riquezas.

Quais são as maiores ocorrências no cenário prático?
A complexidade da vida moderna e a consequente redução da significância da natureza humana em detrimento da produção da atividade do labor empurram a pessoa humana para uma vida cotidiana cada vez mais automatizada, demandando uma gama cada vez maior de informações.
Deliberar, decidir, prever, optar são atitudes exigidas a cada instante, o que faz com que sujeito se encontre, em diversas ocasiões, sob a premente necessidade de fazer escolhas acerca de assuntos para os quais não possui preparo suficiente ou sequer se apresente munido de informações adequadas para tanto.
Como consequência, inúmeras são as ocasiões em que profissionais são consultados, formalmente ou não, para apresentarem os seus pareceres, ou apenas para darem conselhos ou recomendações sobre a melhor escolha ou decisão, a que trará maiores ganhos ou benefícios ou aquela que evitará prejuízos ou perdas consideráveis.
Nessas situações, em que existe o dever jurídico de informar, aconselhar ou recomendar, impera a confiança depositada no profissional e cria-se uma expectativa acerca de seu resultado final, que nem sempre se concretiza na prática.
Como se vê, a discussão acerca da responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações apresenta uma amplitude considerável, que se estende pela seara contratual e também pode ser aplicada às relações intersubjetivas não amparadas por um contrato.

Quais são os momentos que é gerada a responsabilidade na fase contratual?
Perquirir acerca da natureza da informação, do conselho e da recomendação e do momento em que podem gerar responsabilidade constitui questão fundamental para a análise da responsabilidade pela informação, eis que a dificuldade de estabelecer a relação de causalidade entre a informação, o conselho ou a recomendação e o dano constitui óbice considerável para a imputação de responsabilidade ao agente.
Difícil é proceder à delimitação das relações contratuais, dissociando-as das atividades que não geram obrigações, das puras obsequiosidades.
Por outro lado, é importante, também, proceder à análise da responsabilidade pelas informações, conselhos ou recomendações prestados no momento da formação do contrato, a chamada responsabilidade pré-contratual, a denominada responsabilidade pré-contratual, que “nem parece ser contratual, porque ainda não há contrato, nem parece ser conveniente qualificá-lo como extracontratual, eis que estando os candidatos a contraentes em negociações, têm eles entre si, deveres específicos”, conforme ensinava Antonio Junqueira de Azevedo.
Por conseguinte, além da controvérsia acerca do fundamento da responsabilidade pré-contratual, é importante que se verifique a possibilidade de ocorrência de danos em todo o processo contratual, partindo-se das negociaçãoes preliminares, passando-se pela conclusão do contrato e pela análise de sua eficácia, para ao final abordar a fase de execução e do adimplemento contratual.
Deve-se, ainda, verificar as hipóteses de responsabilidade decorrente dos contratos celebrados entre particulares em que a informação, o conselho e a recomendação são essenciais para a formação da convicção dos contratantes, bem como para o implemento das obrigações estipuladas no instrumento contratual, em que se torna analisar a responsabilidade do profissional que exerce uma atividade em que o aconselhamento, a recomendação e a informação são essenciais ao seu mister, tais como o médico, o advogado, o psicólogo ou o contador.
Mas não é só. Eis que a responsabilidade pelas informações, conselhos ou recomendações prestados na fase pós-contratual também apresenta destacada importância, eis que havendo violação dos denominados deveres anexos ou acessórios (informação, proteção ou lealdade), mesmo após a extinção do contrato, exsurge o dever de reparar os danos.

Qual a relação do tema com a teoria da confiança?
Sustentamos a existência de uma responsabilidade pela confiança, não como uma terceira via que seria somada à responsabilidade contratual e extracontratual, mas como fonte da obrigação de reparar danos, posto representar um dos valores fundantes da responsabilidade civil, enquanto base valorativa fundamental da ordem jurídica.
Neste contexto, a confiança constitui valor fundamental de nosso ordenamento jurídico, alicerce necessário para o desenvolvimento das relações intersubjetivas e fonte de um dever ético de conduta, cuja violação gera a obrigação de se reparar os danos que dela decorram.
Assim, nosso sistema dá guarida a uma responsabilidade civil decorrente da quebra do dever de conduta ética, proba e leal, ou seja, da ruptura do valor fundamental da confiança, essencial às relações intersubjetivas.
É exatamente esse o nosso entendimento, consistente na existência de uma responsabilidade pela confiança, já amparada em nosso ordenamento e que decorre da violação do dever primário de conduta ética, impondo o dever de reparar os danos por ela causados.
Não se trata de uma terceira via da responsabilidade civil – que seria somada à responsabilidade contratual e à extracontratual –, mas de um valor fundamental de nosso sistema, fonte de um dever de conduta que se permeia por todas as relações de direito privado e que, uma vez violado, gera o dever subsidiário de reparar os danos decorrentes dessa violação, a fim de evitar que suas vítimas permaneçam irressarcidas.
Nestes casos, a fonte da obrigação de reparar os danos consiste na valoração jurídica da confiança que gera um dever de conduta decorrente de uma imputação normativa, entendendo-se como norma jurídica “um modelo de comportamento ou de organização que representa valores ou fins a atingir”, como ensina Francisco Amaral.
O ordenamento jurídico brasileiro prescreve um padrão de conduta ético, que representa o modelo de comportamento e os valores que pretende atingir, consubstanciando-se a imputação normativa que prescreve um dever ser pautado pelo ethos da confiança. A violação desse dever acarreta a consequente obrigação de reparar os danos decorrentes da conduta contrária à valoração jurídica da confiança.
Assim, como postulado jurídico dessa obrigação de reparar os danos, encontra-se a ampla proteção do ethos da confiança, enquanto valor jurídico fundamental de nosso ordenamento, fonte de um dever de conduta decorrente de imputação normativa expressa de nosso sistema, seja através de princípios, seja através de regras dispostas na ordem jurídica.
Esse ethos da confiança significa resgatar as disposições morais das relações humanas, estimulando o comportamento ético e probo, a lealdade de tratamento e o respeito à esfera jurídica de outrem, para prevenir que as pessoas sejam vítimas de danos. Assim a antijuridicidade se caracteriza pela violação a esse dever de conduta.

Como a jurisprudência vem tratando o tema?
Nossos tribunais têm coibido, reiteradamente as práticas deletérias e as condutas lesivas, privilegiando as condutas pautadas por um padrão ético e leal, em consonância com a tutela da confiança, como se verifica em acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que concedeu liminar para que uma empresa deixasse de divulgar informações técnicas protegidas por uma cláusula de sigilo aposta em um contrato de parceria, sob a fundamentação de que essa prática contraria frontalmente o princípio da boa-fé. (TJSP, AI 615.428.4/7, Ac. 3933557, São Paulo, 7.ª Câm. de Dir. Privado, rel. Des. Luiz Antonio Costa, j. 15.07.2009, DJESP 27.07.2009).

O Direito Revisto - Mar/13

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