quarta-feira, 27 de março de 2013

Ronald Dworkin: um legado para o direito e para a sociedade

Por Joana Neitsch - Jornal Gazeta do Povo
Coluna Jusiça e Direito

O jurista norte-americano que faleceu em fevereiro teve forte influência no reconhecimento da importância dos princípios para o direito e foi um intelectual influente para toda a sociedade

Reflexões sobre a filosofia do direito, o direito constitucional, a filosofia moral e a filosofia política fizeram de Ronald Dworkin um intelectual reconhecido por sua obra e – segundo aqueles que tiveram contato mais próximo com ele – admirado por seu carisma. O filósofo esteve atento às principais questões da sociedade atual e está entre os autores mais citados do direito contemporâneo. Abatido por uma leucemia, Dworkin faleceu no dia 14 de fevereiro deste ano. As homenagens ao autor no meio jurídico trouxeram à tona, também, ponderações e debates sobre sua obra e a contribuição que ele fez para a compreensão da relevância dos princípios para o direito.
A obra de Dowrkin traz a ideia de que os princípios têm peso de norma vinculante. Assim, o que ele chamava de “casos difíceis”, que não têm resposta explícita na legislação, nem na prática jurídica, podem ser resolvidos por meio de princípios. Como liberal que era, o autor abordava principalmente os princípios relacionados aos direitos fundamentais e individuais a partir de uma dimensão moral e política. A igualdade é um dos princípios considerados mais relevantes em sua teoria e que também balizava muitos de seus posicionamentos com relação a questões sociais.

O advogado constitucionalista Luiz Roberto Barroso conta que Dworkin foi o autor que mais o influenciou tanto na prática profissional, quanto na vida acadêmica. Ele destaca no trabalho do filósofo do direito a superação do positivismo jurídico, para o qual só há direito onde há norma legislada. “A visão dele, pós-positivista, é de que existe direito fora da norma. Inclusive o direito que decorre dos valores morais. E os valores morais ingressam no direito pela porta dos princípios”, explica Barroso.
A dimensão moral que Dworkin dá aos princípios, segundo a professora de direito constitucional da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Vera Karam, faz com que se traga para o âmbito do direito “compromissos que são irredutíveis, mas não são abstratos e sim conquistados historicamente”. A professora ressalta que, quando se fala em leitura moral, não se trata de algo jusnaturalista ou moralista, mas sim no tipo de norma que resulta de um acordo que a comunidade faz em torno daquilo que considera absoluto, como a liberdade e a igualdade.
Para o juiz federal Eduardo Appio, a grande contribuição de Dworkin é que ele reforça a ideia de que existe um direito de verdade e nega o entendimento de que há apenas o operador que interpreta ou até mesmo inventa o direito. Dessa maneira, os princípios têm de ser aplicados em vez de se criar uma mera convenção. Appio considera que, no Brasil, grande parte das teorias do filósofo norte-americano foram distorcidas ao serem equiparadas às ideias do filósofo alemão Robert Alexy de que tudo é uma relativização de princípios. O juiz explica que Dworkin defendia que havia um princípio maior, a chamada “resposta correta” e que esta sim deveria ser base para a decisão.

Um homem do mundo
Dworkin conquistava as pessoas não apenas por suas ideias filosóficas, mas por sua delicadeza e educação. Foi por meio de aulas ministradas pelo norte-americano, em seminários de que participou nos EUA, que a professora da UFPR Vera Karam teve a oportunidade de conhecer um pouco mais de perto aquele que define como “um dos mais importantes juristas do século 20”, a quem ela chamou também de um “gentleman”, que a recebeu com muita generosidade em suas aulas. Ela lembra que ele foi um defensor dos direitos civis nos Estados Unidos e que era fonte recorrente nos jornais para opinar sobre questões da política ou da sociedade norte-americana.
Depois de ser anfitrião de Dworkin durante um evento no Rio de Janeiro, o advogado Luiz Roberto Barroso foi recebido pelo filósofo em suas casas de Londres e de Nova York. Segundo o brasileiro, o reconhecido autor não era um intelectual fechado em seus estudos, mas “um homem do mundo”, que apreciava artes boa comida e boa bebida. Barroso presenteou Dworkin com um livro de Fernando Pessoa traduzido para o inglês e o filósofo retornou dizendo que gostara muito da obra.
Na prática
Princípios são guia para a decisão de juízes
O advogado Luís Roberto Barroso costuma recorrer à interpretação de Dworkin em sua rotina nos tribunais. O princípio da moralidade, por exemplo, foi a base para defender uma ação contra o nepotismo no STF. Tribunais de Justiça argumentavam que a Resolução 7/05 do CNJ, que proibia a prática, não tinha força de lei. Mas Barroso, que advogava para a AMB, sustentou que o princípio constitucional da moralidade se aplica diretamente, independentemente de lei. Seu argumento foi aceito por nove dos dez ministros que participaram do julgamento no STF, e a constitucionalidade da resolução do CNJ foi reconhecida.
O juiz federal Eduardo Appio acredita que os princípios servem como guia para que o juiz decida qual o valor preponderante. Da experiência que teve ao ter aulas com Dworkin, no EUA, ele diz ter renovado sua “profissão de fé no direito”. Ele lembra que, para Dworkin, o magistrado não tem como decidir, a não ser a partir de critérios de moralidade. Essa moralidade deve servir também como base em casos novos, em que ainda não existam normas. “Juízes não podem cair na tentação do arbítrio, de decidir da forma como querem. Existe um direito a ser aplicado e princípios maiores que têm de ser observados”, enfatiza Appio.

“Dworkin é um democrata e um liberal, assim, é possível dizer que sua Filosofia do Direito faz parte de um projeto interdisciplinar no qual ela tem uma função legitimadora na medida que reforça os direitos individuais, especialmente a igualdade, como base para uma democracia efetiva, revitalizando não somente a sua noção, mas, também, a do liberalismo que lhe dá sustentação. Nesse sentido, a crítica mais adequada à Filosofia do Direito de Dworkin enseja uma crítica mais ampla e geral ao projeto de modernidade ao qual seu liberalismo se alia e ao modelo em que tal projeto se apoia.”
Fonte: Vera Karam - Dicionário de Filosofia do Direito, Editora Renovar e Unisinos.

O Direito Revisto - Mar/13

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