sexta-feira, 19 de abril de 2013

10 falácias sobre a redução da maioridade penal

Por Prof. Paulo Lépore

 

Diante de fatos violentos praticados por adolescentes, ressurge a discussão sobre a redução da maioridade penal. Paulo Lépore nos apresenta 10 equívocos ignorados ou menosprezados pelos defensores da migração de adolescentes do sistema de proteção integral do ECA, para a Lei de Execução Penal.



1. Com 16 anos o adolescente sabe muito bem o que é certo e o que é errado e por isso deve responder por crime como adulto.
Falácia. De fato, com 16 anos de idade o adolescente sabe o que é certo e o que é errado. Mas, uma criança com 7 anos de idade também sabe. A criança sabe que não é certo pegar sem pedir o que não é seu, mas mesmo assim o faz, notadamente se for um brinquedo muito sedutor (que nos dias atuais pode ser representado por um reluzente tablet). O que deve determinar o modo de responsabilização de alguém não é a capacidade de entender se o ato praticado é certo ou errado, mas sim a possibilidade de se autodeterminar (agir ou não com pleno domínio do espaço e das pessoas), ou seja, a maturidade para reagir com personalidade e posicionar-se frente ao mundo.

2. Se com 16 anos o adolescente pode votar, então também deve responder por crime como adulto.
Falácia. A maturidade política não é igual à maturidade para a prática de crime. A ideia de o adolescente poder votar é permitir que se insira na sociedade como um cidadão. Por isso o voto é apenas facultativo entre 16 e 18 anos. Entendendo-se maduro o adolescente pode se inscrever na justiça eleitoral e votar. Caso contrário, somente estará obrigado a votar a partir dos 18 anos. Assim, é com 18 anos que se adquire a plena maturidade eleitoral e, por causa disso, essa é a idade mínima para tomar posse em cargo público eletivo de vereador (para outros cargos as idades exigidas são maiores: 21 anos para Prefeito e Deputado Estadual ou Federal; 30 para Governador e 35 para Senador ou Presidente da República).

3. Os adultos procuram os adolescentes entre 16 e 18 anos para praticarem atos graves, por isso a maioridade penal deve ser reduzida para 16 anos.
Falácia. Os adultos procuram quem pode ser seduzido com mais facilidade e já reúne condições para praticar atos ilícitos. Crianças (de 0 a 11 anos completos) e adolescentes com 12, 13, 14 ou 15 anos também são cooptados para a vida criminosa. A redução da idade não resolve a questão.

4. Parte das crianças e dos adolescentes tem maturidade de adulto. Por isso tem que ser como nos Estados Unidos da América: se o juiz entender possível, o infante responde como se fosse adulto.
Falácia. Crianças e adolescentes não têm a maturidade dos adultos. O sistema dos Estados Unidos da América é um dos mais repressivos do mundo e conta com uma população carcerária gigantesca, mas nem por isso os índices de ressocialização são expressivos ou há redução da criminalidade. Ademais, deixar nas mãos dos juízes ou das equipes técnicas (psiquiatras, psicólogos, pedagogos e assistentes sociais) a decisão sobre a responsabilização de um infante como adulto é tornar o sistema por demais subjetivo, abrindo espaço para injustiças e falhas irreversíveis (ainda que os profissionais envolvidos sejam muito competentes e bem intencionados). Sem critérios objetivos não haveria tratamento igualitário. Trata-se do mesmo problema que sempre existiu em relação ao exame criminológico do sistema penal.

5. O adolescente pratica a conduta ilícita porque tem a sensação de impunidade.
Falácia. O adolescente pratica a conduta ilícita porque é seduzido a tanto. A falta de perspectiva de vida futura causada pela falência do lar (quando o infante é vítima de abandono ou maus tratos), a oferta deficiente ou inexistente de educação formal (falta de escola ou de vagas em locais próximos de suas residências) e a ânsia por conseguir emoção e lucro rápido é que levam a pratica de ilicitudes.

6. O adolescente tem uma punição muito branda.
Falácia. Em muitos casos a punição do adolescente é até mais grave que a dos adultos. No caso de um roubo, após cumprir 2 anos de prisão em regime fechado, é bem provável que um adulto volte às ruas (pois tem para si uma série de benefícios penais). Já um adolescente que praticar roubo fatalmente cumprirá 3 anos de medida socioeducativa de internação, pois ele não tem para si a série de benefícios a que faz jus o adulto.

7. Os adolescentes são responsáveis por grande parte da violência social.
Falácia. Os atos praticados por adolescentes representam apenas 10% (aproximadamente) dos atos ilícitos que constituem a violência social.

8. Os atos praticados por adolescentes são muito graves.
Falácia. Cerca de 95% das condutas praticas por adolescentes são furtos, roubos e tráfico de drogas. Latrocínios, homicídios e estupros representam a minoria dos casos.

9. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) está ultrapassado e por isso não funciona. A Fundação Casa é um parque de diversões.
Falácia. O ECA é uma das leis mais modernas do mundo. Ele não está ultrapassado e até funciona, mas não na dimensão desejada. Na verdade o ECA não é aplicado, pois as políticas estatais não fornecem a estrutura idealizada pelo estatuto (políticas de prevenção, entidades de atendimento, e profissionais habilitados com a técnica adequada e em número razoável). A Fundação Casa e as demais entidades para cumprimento de medida de internação não são parques de diversões. Em regra, o adolescente deve se submeter a atividades pedagógicas e respeitar regras e horários rígidos. Por outro lado, em alguns casos, as unidades de internação – desestruturadas – acabam representando verdadeiros depósitos de pessoas, impondo severo sofrimento físico e psicológico.

10. Com punição mais severa haverá a diminuição da violência social.
Falácia. Penas mais severas não significam diminuição de violência social ou de criminalidade. Exemplo disso é a situação dos crimes hediondos. A morte da filha da famosa autora de novelas Glória Perez motivou, em 1994, a imposição do rigor da lei de crimes hediondos ao homicídio qualificado (o que se chama de legislação de pânico ou direito penal simbólico). Entretanto, de lá para cá não houve a esperada diminuição significativa do número de homicídios qualificados.
Sem falácias. Avancemos, pois.

Paulo Lépore
Doutorando em Serviço Social e Mestre em Direito. Professor de Direito da Criança e do Adolescente. Coautor dos livros “Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado” e “Direitos Trabalhistas das Crianças, Adolescentes e Jovens”, ambos publicados pela Editora Revista dos Tribunais – RT.

Conheçam os Livros do Prof. Paulo Lépore acessando:

O Direito Revisto – Abr/13
Publicado originamente em:
 

 

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