quarta-feira, 10 de abril de 2013

Dosimetria




Por Prof. Ney Moura Teles
 O art. 68 do Código Penal estabelece o caminho que o juiz deve seguir para encontrar a pena justa a ser aplicada ao condenado. Com base nele e no disposto no art. 59 pode-se construir o seguinte roteiro, ao qual o juiz está necessariamente vinculado.

O primeiro passo é o da fixação da pena-base, devendo o juiz fazê-lo observando minudentemente as circunstâncias judiciais estabelecidas no art. 59 do Código Penal. 

Depois de encontrar a pena-base, o juiz deverá considerar a existência de circunstâncias atenuantes (descritas nos arts. 65 e 66, CP) e de circunstâncias agravantes (definidas nos arts. 61 e 62, CP), com observância da regra do art. 67 do Código Penal.

Depois, deverá verificar a presença ou não das chamadas causas de diminuição e das causas de aumento de pena, previstas tanto na parte geral, quanto na parte especial do Código Penal.

Finalmente, se se tratar de pena privativa de liberdade, o juiz deverá verificar a possibilidade de sua substituição por pena restritiva de direitos ou de multa, e, caso não o possa fazer, fixará o regime inicial de cumprimento da privação de liberdade.

Em síntese, a pena é determinada, assim, em quatro etapas, bem distintas: (1ª) Pena-base. (2ª) Atenuação e agravação. (3ª) Diminuição e aumento. (4ª) Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, ou Fixação do regime inicial de seu cumprimento.
  
1ª. Etapa: Fixação da Pena-base

A primeira etapa a ser percorrida e concluída pelo juiz é a da fixação da pena-base, durante a qual deverá observar as regras estabelecidas no art. 59 do Código Penal.
O princípio diretor da aplicação da pena nas quatro fases – mas que se manifesta de modo vigoroso na primeira etapa – é o seguinte: o juiz estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente, para reprovação e prevenção do crime, as penas aplicáveis, entre as cominadas, e sua quantidade, dentro dos limites previstos.

Daí decorrem duas regras: (a) a pena, em qualidade e em quantidade, deve ser fixada com a finalidade de tão-somente reprovar e prevenir o crime; e (b) deve ser estabelecida dentro dos limites da necessidade e da suficiência para o alcance daquela finalidade.

Essas duas bases devem orientar o juiz em toda a sua ativida de de aplicar a pena, e, nesse primeiro momento, da fixação da pena-base, deve presidir sua opção pela pena a ser aplicada, e por sua quantidade. Delas decorrem algumas observações importantíssimas. O juiz não pode fixar pena sem aqueles objetivos de reprovar e prevenir o crime. Se a necessidade de reprovação for grande, a pena deverá ser, igualmente, mais severa. Se a necessidade da prevenção for pequena, a pena será menos severa. O juiz não pode fixar pena em quantidade além da necessária, nem mais do que o suficiente para a reprovação.

Como proceder para atender ao preceito? Nortear-se pelos próprios parâmetros indicados no mesmo art. 59. O juiz fixará a pena com atenção “à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima”.
Essas circunstâncias, chamadas judiciais, deverão ser analisadas pelo julgador, que, à vista de sua presença ou ausência, fixará a pena-base.

A missão do juiz, ao fixar a pena-base, é das mais difíceis, em toda a atividade jurisdicional. Os juízes das varas cíveis, de família, das fazendas públicas, enfim, das varas distantes da área criminal, não se defrontam com dificuldades tão cruciais quanto os que encaram a necessidade de decidir sobre o futuro de pessoas tão diferentes. São negros e pardos, em sua maioria, são pobres quase todos, invariavelmente marginalizados. E o que é mais grave: quase sempre sem informações precisas, sem muitas provas e com muitas dúvidas. 

Nem sempre os processos contêm os elementos indispensáveis à análise dessas circunstâncias; por isso, a tarefa do juiz se torna ainda mais difícil.

Ao analisar as circunstâncias judiciais, o juiz não pode valer-se de qualquer critério de uso da aritmética, para encontrar o grau médio, o submáximo e o submédio. Tal processo aritmético consistia em achar o grau médio somando-se o mínimo e o máximo, o submáximo, somando o máximo com o médio, e o submédio, adicionando ao médio o mínimo, dividindo-se cada resultado por dois. O quociente encontrado era o grau da pena que se desejava.

Verificadas as circunstâncias judiciais do art. 59, o juiz deve proceder a um raciocínio claro, preciso, sob a orientação do princípio diretor da individualização da pena: necessidade e suficiência para prevenir e reprovar o crime, tendo como fundamento e limite a culpabilidade do condenado.

Se concluir por ter havido comportamento muito culpável, se entender que do agente se podia, em grau elevado, exigir conduta diversa, e se concluir que ele agiu com plena consciência da ilicitude, ou com grande possibilidade de alcançá-la, a pena-base deverá distanciar-se do grau mínimo. À medida que as outras circunstâncias ali referidas – motivos, circunstâncias, conseqüências, comportamento da vítima – igualmente se revelarem desfavoráveis ao condenado, mais se distanciará a pena-base do grau mínimo.

Se o juiz verificar que o condenado laborou com pequeno grau de culpabilidade – se a possibilidade de conhecer a ilicitude fosse pequena, ou se menor fosse a exigência de outra conduta –, então a pena será próxima do grau mínimo. Considerará igualmente as outras circunstâncias que, se favorecerem o agente, importarão em pena-base igual ao grau mínimo.

Dificilmente haverá colidência entre a culpabilidade e as demais circunstâncias. Na maior parte das vezes, quando for elevada a culpabilidade, uma ou mais das circunstâncias estarão contra o agente. E quando a culpabilidade for pequena, a maior parte das circunstâncias igualmente será benéfica ao agente.

Não deve o juiz elaborar duas colunas, de débito e crédito, com as circunstâncias do art. 59, somando-as e encontrando a média.

Deve o juiz pensar: se há muita culpabilidade, a pena-base se afastará do grau mínimo, e à medida que outras circunstâncias prejudiquem o condenado, tal afastamento será maior, ou seja, a pena-base vai ser maior. Por exemplo: condenado que age com plena consciência da ilicitude e do qual se podia exigir, com grau elevado, um comportamento conforme o direito agiu com muita culpabilidade. Tudo indica a fixação de pena-base um pouco acima do grau mínimo. Se os motivos do crime forem igualmente reprováveis, será elevado o grau um pouco mais. Se as conseqüências forem ponderáveis, as circunstâncias inominadas não favorecerem, e a vítima não tiver se comportado de modo censurável, então a pena-base se distanciará ainda mais do grau mínimo.

Dessa forma não há menor possibilidade de fixação de pena-base próxima do grau máximo. Somente com muita culpabilidade e com todas as circunstâncias do art. 59 militando contra o condenado é que deverá o juiz fixar pena-base bastante próxima do grau médio. Por uma razão muito simples: esta é apenas a primeira fase da aplicação da pena; somente podem ser admitidas penas próximas ou iguais ao grau máximo, após a conclusão das três fases, com a consideração das circunstâncias legais e das causas de aumento e diminuição da pena.

Não seria harmônico o sistema legal da individualização da pena se, desde a primeira das três fases, já fosse possível a fixação de uma pena equivalente ao grau máximo. Se tal fosse possível, qual seria a razão de a lei mandar considerar uma segunda e ainda uma terceira etapas, em que outras circunstâncias devessem ser analisadas? Imaginar tal possibilidade seria concluir pela insuficiência da quantidade máxima de pena cominada. Se o limite máximo da cominação não há de ser ultrapassado, e se há um tempo máximo de duração do cumprimento das penas privativas de liberdade, não se pode aceitar a possibilidade de que o grau máximo seja alcançado apenas pela consideração das circunstâncias do art. 59. Se assim fosse possível, não haveria necessidade de realizar as duas etapas seguintes.

Qualquer pena-base que se aproxime do grau máximo terá sido encontrada com total desrespeito às regras do art. 59.

Indispensável que o juiz fundamente cada um dos passos dados no rumo da fixação da pena-base. Não basta que diga: “O réu era imputável, tinha consciência da ilicitude e dele se podia exigir conduta diversa. Os motivos do crime foram reprováveis, as conseqüências sérias, a vítima não se comportou de modo a facilitar sua ação; por isso, fixo a pena-base em ‘x’ anos, além do mínimo, mas aquém do máximo.” Tais assertivas não constituem fundamentação.

O encontro da pena-base deve ser minuciosamente descrito, com a justificação do quantum encontrado, com base em elementos de prova que tenham sido carreados para os autos do processo. A fundamentação é indispensável para que o condenado saiba a razão por que recebeu aquela pena, em qualidade e quantidade, e possa, se considerá-la injusta, atacá-la por meio de recurso de apelação para a instância superior.
Sem fundamentação, a sentença será nula.

2ª. Etapa: Agravantes e atenuantes

Fixada a pena-base, o juiz deverá passar para a segunda etapa da aplicação da pena, verificando a existência das circunstâncias agravantes e das circunstâncias atenuantes para, em razão delas, proceder a um processo de agravação ou de atenuação, elevando ou diminuindo a quantidade da pena-base.

Se houver circunstâncias agravantes, a pena-base será acrescida; se houver atenuantes, reduzida. As circunstâncias agravantes estão definidas nos arts. 61 e 62 do Código Penal. As circunstâncias atenuantes estão enumeradas nos arts. 65 e 66 do Código Penal.

A lei não estabelece um quantum de agravação ou de atenuação, devendo ele ser estabelecido pelo juiz que, com prudente arbítrio, fundamentando sua decisão, determinará a quantidade da diminuição ou do aumento que fará incidir sobre a pena-base.

Concurso de agravantes e atenuantes

        No momento da aplicação da pena, o juiz, depois de ter fixado a pena-base e verificado a existência das circunstâncias agravantes e atenuantes, depara-se, muitas vezes, com a presença de mais de uma dessas circunstâncias.

        Havendo duas circunstâncias agravantes, a pena será agravada duas vezes, uma para cada fator reconhecido, o mesmo se dando em relação às atenuantes, quando a pena será tantas vezes diminuída quantas forem as circunstâncias presentes.

        Noutras oportunidades, incidem uma agravante e uma atenuante, tornando mais complexa a tarefa do julgador. A solução desses problemas deve ser encontrada com atenção ao disposto no art. 67 do Código Penal: “No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.”

As circunstâncias são subjetivas e objetivas, devendo prevalecer, no caso de concurso, as primeiras, não se podendo esquecer que circunstâncias que decorrem da personalidade e dos antecedentes do agente só podem ser compreendidas no sentido de favorecê-lo, nunca de conduzir à agravação da reprimenda. Por essa razão, a reincidência não pode preponderar sobre nenhuma circunstância atenuante. 

As atenuantes da motivação preponderam sobre todas as agravantes, e a menoridade, é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, por se tratar de circunstância relativa à personalidade do agente, preponderará sobre qualquer agravante, inclusive sobre a reincidência. 

Na fase de aplicação da pena, o juiz não pode utilizar raciocínio aritmético, por exemplo, assim: “há duas atenuantes, e duas agravantes, que se anulam, pelo que mantenho a pena-base”. Em qualquer das hipóteses de concurso de agravantes e atenuantes, haverá prevalência das circunstâncias subjetivas. Apenas na hipótese de não se caracterizar nenhuma dessas circunstâncias é que se manterá a pena-base. 

Em qualquer hipótese, a decisão do julgador deverá ser convincentemente motivada, sob pena de nulidade.


3ª. Etapa: Causas de aumento e de diminuição

        Vencida a segunda etapa da aplicação da pena, que é a consideração das circunstâncias legais atenuantes e agravantes, deve o juiz percorrer a terceira fase, consistente na análise das causas de aumento e das causas de diminuição de pena.

        Após atenuar ou agravar a pena-base, deve o julgador verificar se existem causas de aumento e de diminuição, procedendo, em seguida, à operação correspondente, nos limites fixados pela norma.

Causas de aumento

        As chamadas causas de aumento são circunstâncias legais às quais corresponde a majoração da pena, em quantidade determinada, fixa ou variável, estabelecida na norma, encontrando-se tanto na parte geral, quanto na parte especial do Código Penal. Exemplo: “Art. 121, § 4º  No homicídio culposo, a pena é aumentada de um terço, se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de um terço, se o crime é praticado contra menor de 14 (catorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.”
Neste caso, a pena é aumentada de uma quantidade fixa.

Outro exemplo: “Art. 157, § 2º  A pena aumenta-se de um terço até metade: I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; II – se há o concurso de duas ou mais pessoas; III – se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância. IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.”
Neste exemplo, o aumento é determinado em quantidade variável, observados os graus, mínimo e máximo.

Como se vê, a lei define a circunstância, com todos os seus elementos, impondo o aumento da pena, ora numa quantidade fixa, ora variável, que incidirá sobre a quantidade da pena encontrada pelo juiz após a segunda fase da aplicação.

Na parte geral do Código Penal, encontram-se definidas várias causas de aumento.
No art. 29, § 2º, cuida-se do aumento da pena nos casos de cooperação dolosamente diversa, para o concorrente que, desejando crime menos grave do que o praticado pelo outro, poderia ter previsto o resultado mais grave. Sendo condenado, ser-lhe-á aplicada a pena do crime menos grave, que era o que desejava fosse realizado, aumentada de até metade.  

Outra causa de aumento da parte geral encontra-se no § 1º do art. 60, e diz respeito à pena de multa: “A multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo.”

Trata-se, como se vê, de uma causa de aumento determinada em quantidade fixa, o triplo, que poderá ser aplicada até mesmo sobre o grau máximo da cominação. Esse aumento se dará quando o juiz verificar que a pena cominada é insuficiente para alcançar os fins constantes da diretriz maior da aplicação da pena: suficiência e necessidade para reprovar e prevenir o crime. 

Ainda na parte geral, os arts. 70, 71, 73 e 74 mandam o juiz impor aumentos nas penas, mas, por se tratarem de institutos da mais alta complexidade, concurso formal, crime continuado, aberratio ictus e aberratio delicti, serão abordados mais detalhadamente em outra postagem.

Na parte especial do Código Penal, ao lado de cada tipo legal de crime, podem existir, e existem muitas, causas de aumento de pena. Após definir a conduta proibida, a lei manda aumentar a pena na presença das circunstâncias que descrever.

Nesta oportunidade, é importante, a título ilustrativo, mencionar algumas causas de aumento da parte especial.

No crime de violação do domicílio, tipificado no art. 150 do Código Penal, a pena será aumentada de um terço, se o fato tiver sido praticado por funcionário público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades legais, ou, ainda, com abuso de poder (art. 150, § 2º, CP).

No delito de furto, a pena será aumentada de um terço, se o fato tiver sido praticado durante o repouso noturno (art. 155, § 1º).

No estelionato, o aumento de pena, também de um terço, incidirá na hipótese de o crime ter sido cometido em prejuízo de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência. 

Como se vê, a quantificação do aumento deverá ser feita, prudentemente, pelo julgador, que se orientará: (a) pelas circunstâncias judiciais do art. 59, observando-se as restrições feitas às de natureza pessoal; (b) pelas circunstâncias específicas de cada causa de aumento; e (c) pelo princípio diretor da aplicação da pena: a suficiência e a necessidade para reprovar e prevenir o crime.

Causas de diminuição

        As causas de diminuição são, também, circunstâncias definidas na lei, às quais, todavia, corresponde a diminuição da pena, em quantidade fixa ou variável, entre graus máximo e mínimo. Exemplo clássico é o do § 1º do art. 121 do Código Penal: “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.”  

Como se vê, neste exemplo, a diminuição é determinada no intervalo entre um sexto e um terço da pena encontrada pelo julgador até a segunda etapa da aplicação da pena. As causas de diminuição, igualmente, estão definidas tanto na parte geral, quanto na parte especial do Código Penal.

No parágrafo único do art. 14 do Código Penal, está escrita a regra geral da punibilidade das tentativas de crime, determinando que, se o procedimento típico não se tiver completado por circunstâncias alheias à vontade do agente, a pena será diminuída de um a dois terços. Outra causa de diminuição obrigatória é a hipótese do arrependimento posterior, definido no art. 16 do Código Penal: “Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.” 

Os requisitos para esta diminuição são: (a) não ser o crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa; (b) a reparação do dano ou a restituição da coisa devem ser promovidas voluntariamente pelo agente e ter ocorrido antes do recebimento da inicial de acusação. Não será contemplado com essa causa de diminuição o agente do furto, cuja res furtiva tiver sido recuperada pela polícia ou pela própria vítima.

Ocorrendo erro de proibição evitável erro sobre a ilicitude do fato que poderia, com a devida cautela, ter sido evitado –, a pena será igualmente diminuída de um sexto a um terço, como manda o art. 21 do Código Penal. Trata-se de situação em que o agente age sem consciência da ilicitude, quando lhe era plenamente possível alcançar essa consciência.

No § 2º do art. 24 do Código Penal, encontra-se outra causa obrigatória de diminuição da pena que se aplica nas hipóteses em que o agente, inicialmente, encontrava-se em estado de necessidade. “Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.”
Cuida-se da hipótese em que, numa situação de perigo para um bem jurídico, o agente sacrifica outro bem de maior valor ou importância. Não incidirá, como é claro, a excludente da ilicitude definida no art. 24, porque não satisfeito o pressuposto da proporcionalidade que deve existir entre os bens em colisão, mas o grau de exigibilidade de conduta diversa é reduzido, em virtude do perigo para o bem afinal salvo, em detrimento do outro.

É o que ocorre em certas situações em que o sujeito furta para se alimentar, em situação que não autoriza a exclusão da ilicitude pelo furto famélico, eis que poderia, nas circunstâncias, ter realizado outro comportamento, por exemplo, pedindo o alimento à vítima. Responderá pelo delito, porém, com a diminuição da pena.

Outras duas causas de diminuição da parte geral que se assemelham são as contidas no parágrafo único do art. 26 e no § 2º do art. 28 do Código Penal, e que tratam da capacidade diminuída, respectivamente, por perturbação da saúde mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, e por embriaguez incompleta, proveniente de caso fortuito ou força maior. São aqueles estados intermediários entre a plena capacidade de discernimento e de determinação, e a ausência dessa capacidade, em que o agente, mesmo capaz, não o é em sua plenitude, razão por que se impõe menor reprimenda, com a obrigatória diminuição da pena.

Finalmente, ao tratar do concurso de pessoas, dispõe o § 1º do art. 29 do Código Penal que “se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço”. Trata-se da menor eficiência causal da participação em crime alheio, que enseja menor reprovação em face da pequena significação do comportamento do partícipe.

Relativamente às expressões pode e poderá, referindo-se à diminuição, o entendimento unânime é o de que a faculdade diz respeito à quantificação da redução, sendo, assim, dever do juiz operar a minoração da pena se estiverem presentes seus pressupostos, pois que se trata de direito subjetivo do condenado.
Nesta quadra, devem-se apenas mencionar, de modo sucinto e genérico, algumas causas de diminuição da parte especial. Além do homicídio (art. 121, § 1º) e da lesão corporal privilegiada (art. 129, § 4º) – cometidos por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima –, importa falar do furto, do estelionato e da receptação dolosa privilegiados.

Como se vê, são todos crimes contra o patrimônio cometidos sem violência, real ou moral contra a pessoa, sobre os quais vai incidir uma causa de diminuição, desde que, entre outras condições, o agente for primário, vale dizer, não reincidente.

No caso de furto, se, além de primário o agente, for de pequeno valor a res furtiva, a pena pode ser diminuída de um a dois terços. O juiz poderá, em vez de diminuir a pena privativa de liberdade, aplicar somente a pena de multa (art. 155, § 2º).
 
No estelionato e na receptação dolosa, o agente primário merecerá a redução da pena, de um a dois terços, se pequeno o prejuízo da vítima, facultado ao juiz, igualmente ao furto, aplicar apenas a multa (art. 171, § 1º). 

Em qualquer das hipóteses de causas de diminuição da pena, seja da parte geral, como da parte especial, quando o juiz determinar redução mínima, deverá, necessariamente, motivar circunstanciadamente a sua decisão, a fim de que o condenado possa saber por que não foi contemplado com a redução máxima. A exigência é inarredável, sob pena de nulidade da decisão.

Os critérios para a determinação do quantum redutor são os mesmos do art. 59, as circunstâncias judiciais ali descritas, com as observações feitas acerca das de natureza pessoal – personalidade, antecedentes e conduta social – e, principalmente, a observância da diretriz superior da aplicação da pena: conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

Concurso de causas de aumento e de diminuição

Pode ocorrer a incidência, num mesmo fato, de mais de uma causa de diminuição, de mais de uma causa de aumento, bem assim de duas de aumento e uma de diminuição, ou de duas de diminuição e uma de aumento; é possível ainda que umas sejam da parte geral, outras da especial.

Por exemplo, João, de 19 anos, tendo capacidade diminuída (art. 26, parágrafo único), realiza tentativa (art. 14, II, parágrafo único) de homicídio privilegiado (art. 121, § 1º), contra Marco, de 13 anos de idade (art. 121, § 4º). Na hipótese, haveria três causas de diminuição, duas da parte geral (tentativa e capacidade diminuída) e uma da parte especial (privilégio) e uma causa de aumento, da parte especial (contra menor de 14 anos).


Como deve proceder o juiz diante de situações como essas?  

A primeira indagação, no que diz respeito ao concurso homogêneo das causas, aquele que se dá entre apenas as de aumento ou entre apenas as de diminuição, é: (a) a incidência da segunda causa se dará sobre o resultado da operação realizada na apreciação da primeira causa; ou (b) sobre a pena encontrada na segunda etapa da aplicação da pena, isto é, sobre a pena-base atenuada ou agravada? 

No exemplo apresentado, suponhamos que a pena-base tenha sido fixada em seis anos e seis meses, e, diante da idade do agente, atenuada em seis meses, concluída a segunda etapa com uma pena de seis anos de reclusão.

A primeira causa de diminuição a ser aplicada é a relativa à tentativa, que, será, por exemplo, de 2/3, ou seja, de quatro anos, ficando a pena em dois anos de reclusão.
Em seguida, como deve proceder o juiz para aplicar o redutor do parágrafo único do art. 26 (capacidade diminuída), que ele pretende determinar em 2/3? Tomará como base a pena de seis anos, determinada na segunda etapa, ou a pena de dois anos, já modificada nessa terceira etapa? 

Se partisse da pena-base atenuada, de seis anos, a nova redução seria de quatro anos, e como já tinha sido reduzida a dois, ficaria igual a zero, o que seria um absurdo; por isso, o correto é fazer incidir a nova redução sobre o resultado da operação imediatamente anterior, ou seja, sobre dois anos, reduzindo-se, de conseqüência, de 16 meses, ficando a pena em oito meses de reclusão.

Aplicadas todas as causas de diminuição, concluída está a operação relativa ao concurso homogêneo. A partir daí, o juiz deve tratar do concurso heterogêneo, agora com as causas de aumento. No exemplo, incidirá a causa de aumento do § 4º do art. 121, devendo a pena ser aumentada em um terço, mas a pergunta é: um terço de quanto, da pena-base atenuada ou da pena já reduzida?

Se se seguir o mesmo critério anterior, a pena seria aumentada em pouco mais de dois meses, o que parece injusto, e se se tomar como base de cálculo a pena-base atenuada, de seis anos, encontrada na segunda etapa, a pena seria aumentada em dois anos e fixada definitivamente em dois anos e oito meses, mais compatível com o fato praticado.

ALBERTO SILVA FRANCO, abordando o problema, mostrou: “O legislador de 84 não solucionou a divergência jurisprudencial no caso de concurso homogêneo de causas de aumento ou de diminuição. Sobre a matéria, formaram-se, de início, duas posições. De um lado, a corrente que defendia a tese da incidência cumulativa das causas de aumento ou de diminuição. Assim, a segunda causa de aumento ou de diminuição deve recair sobre a pena já acrescida ou reduzida pela primeira causa de aumento ou de diminuição. De outro lado, a corrente que pugnava pela incidência isolada das causas de aumento ou de diminuição. Assim, a segunda causa de aumento ou de diminuição deve incidir sobre a pena-base, e não sobre a pena já acrescida de causa de aumento ou de diminuição anterior. Evitava-se, deste modo, que as causas de aumento sucessivas, operando sobre a pena já aumentada, crescessem progressivamente, e que as causas de diminuição sucessiva, atuando sobre a pena já reduzida, diminuíssem progressivamente. Tal posição mereceu, no entanto, séria crítica na doutrina, acentuando-se que a incidência isolada, principalmente em relação às causas de diminuição sucessiva, seria inaceitável. ‘Isto porque, havendo duas diminuições, por exemplo, de dois terços e de metade, a pena resultante seria inferior a zero, o que, evidentemente, é absurdo (Julio Fabbrini Mirabete, Manual de direito penal, 1989, p. 309). Para atalhar a objeção, Celso Delmanto (Código penal anotado,1984, p. 58) sugeriu o critério de incidência diferenciada, pelo qual as causas de aumento incidiriam independentemente, enquanto as causas de diminuição recairiam cumulativamente. Esta parece ser, realmente, a melhor solução, máxime em face do tresdobramento do processo individualizador da pena. Caso contrário, na segunda incidência de causa de aumento estaria embutido, de novo, nessa operação, o quantum da pena relativo às agravantes e às atenuantes legais, num intolerável bis in idem. (CÓDIGO PENAL E SUA INTERPRETAÇÃO – Doutrina e Jurisprudência, Ed. RT, 8ª. ed., pág. 383).

Em conclusão:

a) as causas de diminuição incidem, cada qual, sobre a pena encontrada na operação imediatamente anterior, cumulativamente, de conseqüência. A segunda causa de diminuição incidirá sobre a pena obtida após a incidência da primeira causa de diminuição, e assim sucessivamente;

b)   em regra, as causas de aumento incidem, cada qual, sobre a pena-base atenuada ou agravada, isto é, sobre a pena encontrada na segunda etapa da aplicação;

c)  a exceção refere-se ao concurso formal e ao crime continuado, em que o aumento incidirá sobre a pena-base atenuada ou agravada já acrescida de qualquer outro aumento ou reduzida em razão de qualquer causa de diminuição.

d)   se o concurso for de causas, de aumento ou de diminuição, todas previstas na parte especial, o juiz poderá aplicar apenas uma delas, a que aumentar ou diminuir mais (art. 68, parágrafo único).
        Também nessa oportunidade, a decisão do juiz deverá ser fundamentada, com a explicação de suas razões, sob pena de nulidade.


4ª. Etapa: Substituição por pena restritiva de direito ou fixação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade.

Concluída a terceira etapa, determinada a qualidade e a quantidade da pena privativa de liberdade, o juiz terá a oportunidade de: (a) substituí-la por pena restritiva de direito; ou, se incabível a substituição, (b) fixar o regime inicial de cumprimento da pena.

A substituição será possível quando for aplicada pena privativa de liberdade de até quatro anos, se o crime for doloso e praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa, e qualquer que seja no caso de crime culposo. Em ambas as hipóteses, as circunstâncias mencionadas no art. 44, III, do Código Penal devem ser razoavelmente favoráveis, indicando a substituição, que poderá ser concedida até mesmo ao reincidente, desde que a reincidência não seja específica.

A fixação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade se fará com observância das normas do art. 33.

Em qualquer dessas situações, o juiz deverá motivar sua decisão, atento, sempre, ao princípio diretor da aplicação da pena, que determina que ela será, sempre, apenas o suficiente e o necessário para a reprovação e prevenção do crime.

O Direito Revisto – Abr/13

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