Você já teve contato, já usou ou já ouviu falar das
drogas dos concurseiros?
Por Prof. Rogério Neiva
Muito
bem, ao que tudo indica, vem ganhando força a ideia do uso de drogas cognitivas
no universo da preparação para concursos públicos. Trata-se de um recurso
perigoso e ilusório.
Alguns candidatos têm recorrido a substâncias químicas
com a intenção de otimizar o processo de estudos. Geralmente estas
correspondem ao metilfenidato, mais conhecido como ritalina, e o modafinil. A
intenção seria melhorar as funções cognitivas primárias, tais como a atenção e
a concentração.
Antes
de mais nada, vale lembrar que o
referido recurso se trata de uma droga. Segundo o dicionário de
Michaelis, droga seria a “designação comum a todas as substâncias ou
ingredientes aplicados em tinturaria, química ou farmácia”.
Infelizmente,
a postura de adoção indiscriminada do aludido recurso atinge não apenas o mundo
da preparação para concursos públicos, mas também já vem, há algum tempo,
afetando o universo da educação infantil. Não é incomum que profissionais da
saúde ou da educação, diante de problemas de aprendizagem por parte de crianças
– principalmente o TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade),
recomendem de imediato o uso da ritalina, sem a tentativa de outros meios ou
estratégias de superação da mencionada dificuldade. E há algum consenso no
sentido de que diagnósticos são realizados sem os necessários e devidos
cuidados.
Mas
diante deste cenário, dois
aspectos fundamentais exigem consideração. O primeiro seriam os efeitos colaterais
e problemas passíveis de ocorrência no futuro. O segundo seria a real
eficiência do referido recurso.
Como
sei que muitos dos candidatos não se preocupam com o futuro, estando tomados
pelo imediatismo e às vezes pelo desespero de busca da aprovação, vou ignorar
solenemente a primeira preocupação. Registro que considero positivo este “quase
desespero”, pois se traduz em motivação e compromisso com o processo de
preparação. No entanto, como tudo na vida, radicalismos e exageros sempre são
indesejáveis. Inclusive pelo risco de que a referida intensidade de
envolvimento ao longo da trajetória de estudos não se mantenha constante.
Assim,
considerando a preocupação-alvo que elegi, saliento que tenho dúvidas sobre a eficiência do
uso dos referidos medicamentos. Em tese, a intenção consiste na
ampliação da concentração e atenção. Para compreensão da referida atitude,
destaco que há um conceito de grande aplicação.
Trata-se
da ideia da curva de aprendizagem. A referida construção foi desenvolvida pelo
alemão Hermann Ebbinghaus e aperfeiçoada por Theodore Paul Wright. Tal conceito
envolve a noção de que o processo de aprendizagem não é necessariamente linear.
Ou seja, ao iniciarmos nossos estudos em determinado momento, haverá um ponto
ótimo de aproveitamento, após o qual este contará com um comprometimento. A
referida idéia se relaciona com um conceito da ciência econômica denominado
função utilidade, conforme o qual em processos produtivos existem momentos e
situações de otimização positiva ou negativa de resultados.
Ou
seja, resumo do resumo: 10
horas seguidas de estudos não são o resultado aritmético de 1 hora vezes 10 de
estudos. Assim, não é o fato de tomar um medicamento que permita permanecer 10
horas estudando que garantirá a eficiência de tal processo cognitivo
e, principalmente, da apropriação intelectual da informação passível de
solicitação no momento da prova. Não custa lembrar que o cérebro conta com uma
estrutura bio-fisiológica complexa, não funcionando como uma máquina. Isto é,
não é uma questão de trocar a pilha ou colocar uma bateria mais potente.
Neste
sentido, outro conceito importante, no plano da formação de memórias,
consiste na ideia do limite
da capacidade bioquímica instalada, sustentado pelo professor e
neurologista Ivan Izquierdo. Segundo defende, “…a sensação quase física que todos experimentamos alguma
vez de que, ao acabar determinada atividade intelectual, como um período de
estudo intenso ou uma aula, ‘não cabe mais nada em nossa cabeça’ corresponde a um fato real… usa-se,
cada vez, uma porcentagem bastante grande da ‘capacidade’ bioquímica
‘instalada’ de nosso hipocampo…” (IZQUIERDO, Ivan. Memória. Porto
Alegre: Artmed, p. 46).
E mesmo quanto ao caso de pessoas adequadamente e
responsavelmente diagnosticadas como portadoras de TDAH, há estudos indicativos
de que em 25% dos casos o medicamento não produz resultados (ROTTA, Newra
Tellechea. Transtorno da
atenção: aspectos clínicos. In Transtornos da Aprendizagem. Porto
Alegre: Artmed, 2006, p. 310).
Porém,
apesar deste dado, a
presente crítica e alerta não tem por objeto os casos em que há diagnóstico
técnico, cuidadoso, sério e ético, com a convicção do profissional responsável
de que este é o caminho adequado. O alvo aqui é o uso por
aqueles que estão em busca da ilusória
pílula mágica da otimização cognitiva.
Recentemente,
o periódico “Mente e Cérebro” publicou uma matéria noticiando que alguns
cientistas estariam propondo a reflexão sobre a conveniência de adoção das
mencionadas substâncias, enquanto meio de otimização cognitiva. No entanto, não
deixou de fazer o devido e necessário alerta, ao colocar que “essas drogas
devem ser cuidadosamente estudadas para esse fim, e devem ser avaliados seus
riscos e benefícios” (Ano XVI, no. 193, pág 21).
Saliento
que, apesar da percepção de alguns no sentido da eficiência da busca de drogas
cognitivas, considero –
em termos de formulação de hipótese, que se trata apenas e tão somente de uma
ação de efeito placebo. Não há dúvida que temos a natural
capacidade de reagir, inclusive em termos fisiológicos, diante da crença de que
determinada substância provoca determinado efeito esperado. Pode ser que por
trás da aparente e ilusória vantagem subsista a atuação do referido mecanismo.
Portanto,
não tenho dúvida em afirmar que, ao
invés da busca de ganhos facilitados e ilusórios, a otimização dos estudos deve
ser viabilizada por estratégias e atitudes adequadas, principalmente em termos
da estruturação do planejamento da preparação.
Não
é preciso muito esforço intelectual para se convencer da importância do cultivo
de hábitos saudáveis, em termos físicos e psicológicos, enquanto meio de gerar
condições adequadas ao processo de estudo e aprendizagem.
Enfim, espero que você reflita sobre os alertas apontados
e manifesto meus votos de que desempenhe uma preparação estratégica, eficiente,
racional, de alto rendimento e, acima de tudo, saudável!!!
O Direito Revisto –
Jul/13
Publicado
originalmente em: Blog Prof. Rogério Neiva
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