Por Ana Cláudia Lucas
Introdução:
A
falsa percepção da realidade, entendida como erro, pode recair tanto
sobre os elementos constitutivos do fato típico, como também sobre a
ilicitude do comportamento. Quando o erro é incidente sobre um elemento
constitutivo do tipo legal de crime ele é tido como ERRO DE TIPO.Ao
contrário, quando o erro recai sobre a ilicitude da ação, ele é
compreendido como ERRO DE PROIBIÇÃO. De qualquer modo, recaindo a falsa
percepção da realidade, ou o equívoco ou erro sobre situações fáticas ou
jurídicas, sendo ele inevitável, será relevante para o direito penal.
1. Erro de Tipo
1.1 Definição
Erro de tipo
é aquele que recai sobre circunstância que constitui elemento
essencial do tipo. Ocorre quando o agente tem uma falsa percepção da
realidade, sobre um elemento que integra a norma incriminadora. No erro
de tipo, é indiferente que o objeto do erro se verifique no mundo dos
fatos, dos conceitos ou das normas jurídicas. Importa, sim, que o erro
incida sobre uma das estruturas, elementos do tipo penal.
Por exemplo, no crime de calúnia, o agente imputa falsamente a alguém a
autoria de um fato definido como crime porque acredita, sinceramente
tenha sido o mesmo praticado. Nesse caso, o agente desconhece a
elementar típica falsamente, uma condição do tipo. Se o agente não sabia
que a imputação era falsa, não tinha dolo de caluniar, excluindo-se,
portanto, a tipicidade, e caracterizando o erro de tipo.
Do mesmo modo, no crime de desacato, se o agente desconhece que a
pessoa contra a qual está agindo com desrespeito e funcionária pública,
imaginando tratar-se de pessoa comum, não haverá dolo de desacatar e,
portanto, excluído estará a tipicidade para o delito de desacato, podendo, de outro modo, permanecer caracterizada a injúria.
Se o agente, por exemplo, transporta cápsulas emagrecedoras, supondo
seguramente serem as mesmas compostas por substâncias naturais, excluída
estará a tipicidade para crime de tráfico de drogas, por ausência de
dolo, e erro sobre o elemento substância ilícita (droga).
O erro de tipo também pode estar presente em crimes omissivos
impróprios. Se o agente desconhece, por erro, que está na condição de
garantidor da não ocorrência do resultado ou tem dela errada
compreensão, também incidirá em ausência de dolo e, portanto, em erro
sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime omissivo impróprio,
qual seja, a sua posição de garantidor.
Outras vezes é possível que o erro recaia sobre a relação causal da
ação e do resultado, isto é, “aberratio causae”. Nos crimes de
resultado o tipo compreende a ação, o resultado e o nexo causal.
Poderá ocorrer que o autor não perceba, não vislumbre a possibilidade do
ocorrer causal da conduta realizada. Todavia o desvio do curso
imaginado pelo agente não exclui o dolo (por exemplo, joga a vitima de
um barco, pretendendo matá-la afogada, mas ela vem a sucumbir por haver
sido retalhada pelo motor da embarcação.
1.2 Natureza Jurídica
O
erro de tipo é instituto que está previsto no artigo 20, “caput” do
Código Penal Brasileiro: “o erro sobre elemento constitutivo do tipo
legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo,
se previsto em lei.
Ora,
como o dolo compreende a vontade e a consciência em realizar o tipo
penal, se o sujeito errou sobre algum dos elementos do tipo e o dolo
desaparece é certo que estamos diante de uma causa de exclusão da
tipicidade.
O erro de tipo essencial exclui o dolo, mas permite a punição pelo
crime culposo, se previsto em lei, uma vez que a culpabilidade permanece
intacta.
O erro de tipo inevitável exclui, portanto, a tipicidade, não por falta
do tipo objetivo, mas por carência do tipo subjetivo.
Assim, haverá atipicidade, por exclusão do dolo, somente quando o erro
for inevitável, mesmo que haja previsão de modalidade culposa.
1.3 Erro de Tipo Permissivo ou Descriminantes Putativas (erro de tipo na descriminante putativa):
Outra
situação pertinente ao instituto do erro é o chamado Erro de Tipo
Permissivo, que ocorre quando o objeto do erro for um pressuposto de uma
causa de justificação. Sabe-se que a ilicitude de um comportamento pode
ser afastada por algumas causas – chamadas de descriminantes –
indicadas que estão no artigo 23 do CPB. Ora quando alguém erra porque
supõe estar agindo de acordo com uma dessas causas, aparece a chamada
descriminante putativa. E, nesta hipótese, haveria erro de tipo, erro
de proibição ou uma terceira modalidade de erro?
No Direito Penal Brasileiro essa situação está
bem resolvida, porque expressada no artigo 20, parágrafo primeiro, como
erro de tipo permissivo: se escusável (inevitável), isenta de pena; se
for inescusável (evitável), permanecerá a punibilidade, por crime
culposo, se houver previsão desta modalidade.
É o que ocorre entre duas pessoas que, no auge de uma
discussão, faz com que uma delas leve a mão ao bolso e, a outra, supondo
que ela ia sacar uma arma, ou coisa que o valha, atira primeiro, mas
depois se descobre que a vítima estava desarmada (legítima defesa
putativa – Descriminante Putativa por erro de tipo).
Essa modalidade de erro recebeu tratamento diferenciado no
D. Penal Brasileiro, e discutir sobre se se trata de erro de tipo ou de
proibição não é aspecto mais relevante. O que interessa são as
conseqüências que tal erro produz. Afetará o dolo e, portanto, a
tipicidade, como erro de tipo, ou afetará a culpabilidade, como erro de
proibição? Ora, como o artigo 20, parágrafo primeiro fala, no erro de
tipo permissivo, em isenção de pena, e no artigo 20 caput, ao falar
sobre o erro incriminador, menciona sobre a exclusão do dolo, é de
acreditar que, naquele, há exclusão da culpabilidade, e neste, exclusão
de tipicidade.
2. Erro de Proibição
2.1 Definição:
Erro
de proibição é aquele que incide sobre a ilicitude de um comportamento.
O agente supõe, por erro, ser lícita sua conduta. O objeto do erro não
é, pois, nem a lei, nem o fato, mas a ilicitude, a contrariedade do
fato em relação à lei. O agente supõe permitida uma conduta proibida. O
agente faz um juízo equivocado daquilo que lhe é permitido fazer.
No erro de proibição há três elementos fundamentais a
considerar: a lei, o fato e a ilicitude. A lei como proibição, a
entidade moral e abstrata; o fato, como ação, é a entidade material e
concreta; enquanto que a ilicitude é a relação de contrariedade ou
contradição entre a norma e o fato.
O desconhecimento da ilicitude de um comportamento é
circunstância diversa do desconhecimento de uma norma legal.
A ignorância da lei não se confunde com o desconhecimento
do injusto, ou do ilícito, até porque a ilicitude de um fato não está
no fato em si, nem nas leis vigentes, mas entre ambas coisas, ou
seja, na relação de contrariedade que se estabelece entre o fato e
ordenamento jurídico.
A ignorância da lei é matéria que diz respeito à aplicação
da lei penal que, por presunção, é conhecida por todos.
Erro de proibição, ao contrário, é temática afeta à
culpabilidade, e incide exatamente porque o agente não ignora a lei, mas
ignora que seu comportamento esteja contrariando a lei.
Assim, quando o sujeito ignora a lei, ele desconhece os
dispositivos legislados; já quando ignora a ilicitude, desconhece que
sua ação é contrária ao direito.
No erro de proibição o agente, no momento da ação, não tem a
potencial consciência da ilicitude de seu comportamento e, por isso,
deve ser absolvido.
Todavia, para que o erro possa ser reconhecido, não basta,
simplesmente, não ter consciência dessa ilicitude. Em outros termos, é
preciso indagar se havia possibilidade de adquirir tal consciência e, em
havendo essa possibilidade, se ocorreu negligência em não adquiri-la ou
falta ao dever concreto de procurar esclarecer-se sobre a ilicitude da
conduta praticada.
Sendo a culpabilidade normativa, estará presente, sempre, um juízo de
valor sobre a ação humana, e, assim, o erro só será justificável e,
portanto, inevitável, se não decorrer de censurável desatenção ou falta
de um dever de informar-se, que nas circunstâncias, se impunha.
Desse modo pode-se dizer que:
a) se o agente tem consciência real: punição é normal;
b) se o agente erra, mas tem consciência potencial: punição reduzida;
c) se o agente erra, e não tem consciência potencial: absolvição.
O Código Penal Brasileiro considerou o dever de informar-se no artigo
21, parágrafo único, ao sustentar que considera-se evitável o erro se o
agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando
lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.
O pressuposto básico, assim, para que o erro de proibição seja
considerado relevante é que tenha sido impossível ao agente alcançar
entendimento da ilicitude de seu comportamento.
2.2 Natureza Jurídica:
O
erro de proibição é instituto que está previsto no artigo 21e parágrafo
único do Código Penal Brasileiro: “o desconhecimento da lei é
inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de
pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a
consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas
circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.
A falta de consciência, assim, da ilicitude, se inevitável, exclui a
culpabilidade. Porém, quem agir sem consciência da ilicitude, quando
podia e devia ter essa consciência, age com culpa.
O
erro de proibição, por sua vez, quando inevitável, exclui a
culpabilidade, impedindo a punição a qualquer título, em razão de não
haver crime sem culpabilidade. Se o erro de proibição for evitável a
punição se imporá, sempre por crime doloso, mas com pena reduzida.
2.3 Modalidades de erro de proibição
2.3.1 Erro de proibição direto
Nesta
modalidade de erro, o sujeito engana-se sobre a norma proibitiva. O
crime praticado é um crime de ação, porque ou desconhece a norma
proibitiva, ou a conhece mal.
2.3.2 Erro mandamental
O
erro mandamental ocorre nos crimes omissivos. O erro do agente recai
sobre uma norma impositiva, que manda fazer, que está implícita nos
tipos omissivos. Por exemplo, alguém que deixa de prestar socorro porque
acredita, por erro, que esta assistência lhe trará risco pessoal, ou
seja, pensa que há o risco, quando este não existe, comete erro de tipo.
Porém, se esta mesma pessoa, consciente da ausência de risco pessoal,
consciente da situação de perigo e da necessidade de prestar socorro não
o faz, porque acredita que não está obrigado a fazê-lo pela ausência de
qualquer vínculo com a vítima, incide em erro de proibição mandamental.
O erro mandamental também pode estar presente nos crimes
comissivos por omissão: se alguém se engana sobre a existência de perigo
e sobre a identidade da pessoa que tem responsabilidade de proteger,
esse erro é de tipo. Porém, se erra sobre a existência do dever de agir,
conhecendo o perigo, sabendo que a pessoa é a aquela que está obrigado a
proteger, mas acha que não precisa, nesta hipótese, porque há risco
pessoal, incide em erro de proibição mandamental. Ou, naquela hipótese
de alguém que realiza um plantão, e cujo horário da saída se verifica, e
acreditando que não é mais responsável por nada, porque a
responsabilidade é do outro que se atrasou, erra, e erra sobre os
limites do dever, erro sobre a norma mandamental.
2.3.3 Erro de proibição indireto ou Erro de Permissão (erro de proibição nas descriminantes putativas)
Nesta
hipótese, o engano incide sobre o entendimento da norma excludente da
ilicitude, seja quanto à existência dela, seja quanto aos seus limites
jurídicos. Assim, por exemplo, se o agente agride o amante da mulher
por crer estar acobertado por descriminante da legítima defesa da honra
conjugal, vez que a vítima está mantendo relação sexual com sua esposa,
pratica erro de proibição indireto, ou erro de proibição na
descriminante putativa).
No erro de tipo permissivo o agente engana-se sobre os
pressupostos fáticos. No erro de proibição permissivo o agente erra
sobre a existência, natureza ou abrangência da norma permissiva.
Uma pessoa pode ter perfeitas condições do fato, pode ter a
consciência de que os bens em perigo são de valor desigual e, portanto,
não erra sobre os elementos do estado de necessidade (se errasse
estaria em erro de tipo permissivo). Mas, ainda assim, ela acredita que
tem direito de sacrificar interesse de outrem, para salvar bem de menor
valor, porque este lhe pertence, porque o perigo não foi criado por ela
e, nesse caso, estaria em erro de proibição permissivo).
3. Elementos normativos do tipo e Elementos normativos da Ilicitude – erro de tipo ou erro de proibição?
Questão
polêmica em relação ao erro de tipo e ao erro de proibição está
centrada na presença dos chamados elementos normativos do tipo e
elementos normativos especiais da ilicitude. Os elementos normativos do
tipo são constitutivos do tipo penal; já os elementos normativos da
ilicitude estão presentes no tipo, o integram, mas dizem respeito à
ilicitude, sendo, portanto, elementos sui generis do fato típico. Esses
elementos são representados, nos tipos penais, geralmente pelas
expressões: indevidamente, injustamente, sem justa causa, sem licença da
autoridade etc.
Pois quando o erro incide sobre estes elementos há
discussão sobre se o que existe é erro de tipo, ou erro de proibição.
Alguns sustentam que o erro existente é de tipo, porque tais elementos
nele se localizam; para outros, há erro de proibição, porque versam os
referidos elementos sobre a ilicitude.
Embora se aceite, regra geral, este erro como de proibição,
Muñoz Conde tem posição que parece interessante, ao afirmar que “o
caráter seqüencial das distintas categorias obriga a comprovar primeiro o
problema do erro de tipo e somente solucionado este, se pode analisar o
problema do erro de proibição, logo, deve ser tratado como erro de
tipo.
Parece-nos, pois, que como o dolo deve abranger todos os
elementos que integram e compõem a figura típica, e se características
especiais do dever jurídico forem elementos integrantes da tipicidade, o
erro sobre elas deverá ser tratado como erro de tipo.
4. Erros inescusáveis:
Aqueles que não poder ser escusáveis, porque equivalem à verdadeira ignorantia legis, eis que incidem sobre a lei, e não sobre a ilicitude.
4.1 Erros de Eficácia: aqueles que versam sobre a não aceitação da legitimidade de determinado preceito legal, supondo que contraria outro preceito;
4.2 Erros de Vigência: quando o agente ignora a existência de um preceito legal, ou ainda não teve tempo de conhecer uma lei;
4.3 Erros de Subsunção: quando o erro faz com que o agente equivoque-se sobre o enquadramento legal da conduta;
4.4 Erros de Punibilidade: quando o agente sabe ou podia saber que faz algo proibido, mas imagina que não há punição para essa conduta.
5. Exemplos de Erro de Tipo e de Erro de Proibição:
a) Quem subtrai coisa que pensa ser sua: Erro de tipo;
b) Quem acredita ter o direito de subtrair coisa alheia: Erro de proibição;
c) Sujeito que tem cocaína em casa, supondo-se tratar de outra substância inócua: Erro de tipo;
d) Sujeito que tem a cocaína em casa, supondo que tê-la em depósito não é proibido: Erro de Proibição;
e) Um caçador que dispara sua arma sobre um objeto escuro, imaginando tratar-se de um animal, e atinge uma pessoa: Erro de tipo;
f)
A gestante que toma medicação imaginando tratar-se de remédio para dor
de cabeça, quando na verdade é substância abortiva: Erro de tipo;
g) Indivíduo que mantém conjunção carnal com jovem de 14 anos, supondo ser a mesma maior de idade: Erro de Tipo;
h)
A exibição de um filme pornográfico, quando o agente supõe lícita sua
conduta, por ter sido liberado pela censura: Erro de proibição;
i)
O homem que pratica conjunção carnal com uma doente mental, com o
consentimento desta, desconhecendo que a lei presume a violência: Erro
de proibição;
j) Alguém que mata pessoa gravemente enferma, a pedido dela, imaginando estar ao abrigo de causa permissiva: Erro de proibição;
l)
o tutor que aceita o ônus e os encargos da tutela, mas não salva o
tutelado, porque desconhece estar na posição de garante: Erro de
proibição.
Bibliografia sugerida: Cezar RobertoBitencourt, Tratado de Direito Penal, Vol. I.
Revendo Direito - Jan/13
Por Profa. Ana Cláudia Lucas
http://profeanaclaudialucas.blogspot.com.br/2009/12/erro-de-tipo-e-erro-de-probicao.html